Aiana Freitas
Do UOL, em São Paulo
Compre Batom!”, dizia uma menina, olhando diretamente para a câmera, “hipnotizando” os telespectadores para que eles comprassem chocolate para seus filhos. “Eu tenho, você não tem”, desdenhava um menino na TV, mostrando a tesoura escolar com desenho do Mickey Mouse. Na embalagem de outro produto, crianças apareciam com chocolates em formato de cigarros na boca.
Comerciais como esses, que fizeram sucesso no passado, dificilmente seriam divulgados hoje em dia impunemente. Em diferentes pontos do país, proliferam iniciativas que têm por objetivo limitar o uso da propaganda e da oferta de brindes para crianças.
Os defensores da ideia dizem que as crianças têm o comportamento fortemente influenciado pelos comerciais, que podem até levar à obesidade. Os críticos, por outro lado, argumentam que cabe aos pais orientar seus filhos.
Leis limitam venda de lanche com brindes
Uma lei municipal que está em vigor no Rio de Janeiro proíbe a venda de lanches com brinquedos, prática comum nas redes de fast-food. Uma lei semelhante foi aprovada em Florianópolis (SC), mas não vem sendo cumprida porque as empresas foram beneficiadas por um mandado de segurança concedido por um juiz da vara da Fazenda Pública.
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou, na semana passada, um projeto que proibia a publicidade, para crianças, de alimentos e bebidas com poucos nutrientes e muito sódio, gordura e açúcar. O mesmo projeto previa, também, o fim da venda de lanches com brindes. As assessorias jurídica e parlamentar do governador haviam recomendado o veto, dizendo que cabe à União legislar sobre o tema.
Outro projeto, já aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e que ainda será analisado pelo governador do Estado, proíbe a venda não só de lanches, mas de qualquer tipo de alimentos ou bebidas com brindes.
“Ao oferecer brinde à criança, a empresa se aproveita da vulnerabilidade infantil, porque ela não tem capacidade de responder a um apelo assim da mesma forma que um adulto”, diz Pedro Hartung, assessor jurídico do Instituto Alana, ONG que defende os direitos das crianças.
Agências de publicidade defendem autorregulamentação
Publicitários argumentam que o setor já vem mudando a forma de se dirigir ao público infantil e que leis regionais não podem tratar do assunto, que deve ser discutido no âmbito federal.
Essa tese é amparada por especialistas, como o advogado Eduardo Arruda Alvim, sócio do escritório Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica. Segundo ele, como se trata de uma questão que envolve o direito do consumidor, ela é de competência da União.
“A proibição tem apelo porque o problema da obesidade é real. Mas já temos uma lei que regula muito bem as relações de consumo no Brasil, que é o Código de Defesa do Consumidor. Os detalhes devem ser tratados pela autorregulamentação”, defende o vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Anunciantes (Aba), Rafael Sampaio.
Ele diz ainda que as empresas têm mudado o tom da comunicação dirigida às crianças para se adaptar à nova realidade de consumo do país. Sampaio cita o exemplo de uma determinação recente do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que proíbe crianças de participar de ações de merchandising na televisão.
´Excessos´ do passado foram deixados de lado
O consultor jurídico da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), Paulo Gomes de Oliveira Filho, diz que “excessos” cometidos no passado foram deixados de lado.
Ele cita o exemplo da propaganda que mostrava crianças espalhando bilhetes pela casa com um pedido: “Não esqueça a minha Caloi”. Iniciativa parecida teve a Danone quando mostrou crianças cantando “Me dá Danoninho”, nos anos 80 e 90.
“A criança era induzida, na propaganda, a pedir para o pai comprar alguma coisa para ela. Hoje não é mais assim. Numa propaganda de brinquedo, por exemplo, a criança nem olha para a câmera, só aparece brincando”, diz Oliveira Filho.
O consultor da Abap também exime a publicidade de toda a responsabilidade sobre os hábitos alimentares das crianças. “A propaganda não causa obesidade em ninguém. O que não pode haver é o consumo exagerado. E, nesse sentido, a primeira orientação deve vir dos pais. A criança precisa saber ouvir ´não´.”