Aviso prévio de até 90 dias vale para ações antes da lei

18/02/2013

Jornal do Senado

Decisão do Supremo Tribunal Federal refere-se só a processos naquela Corte. Verba rescisória de acordo com tempo de serviço prestado é direito previsto na Constituição, mas só passou a valer após projeto do Senado transformar-se em lei, em 2011

Marcio Maturana

Quem foi demitido antes de 13 de outubro de 2011  — quando foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 12.506/11, que regulamenta o aviso prévio proporcional  — também poderá receber esse direito, desde que tenha entrado com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) até aquela data e antes de a demissão ter completado dois anos (prazo normal para dar entrada em ações de direitos trabalhistas). Essa decisão foi tomada pela Corte há duas semanas, pouco antes do Carnaval, por unanimidade dos ministros. Atinge 39 ações em andamento no STF.

O aviso prévio (que pode ser convertido em dinheiro para quem é demitido sem justa causa) já equivalia a 30 dias para quem trabalhou mais de três meses na mesma empresa. Pela nova lei, esse tempo será acrescido de três dias por ano de serviço prestado, até o máximo de 60 dias a mais. Ou seja: pode chegar ao valor equivalente a 90 dias de trabalho para quem trabalhou mais de 20 anos na mesma empresa. Antes eram 30 dias independentemente do tempo de serviço prestado.

— A nova regra de aviso prévio cumpre a função social de dar amparo ao trabalhador. Afinal, quem vai ficando mais velho na mesma empresa enfrenta mais dificuldade para se recolocar no mercado de trabalho quando se vê desempregado — disse o vice-presidente, no Distrito Federal, da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Antonio Alves Filho.

Segundo o STF, deram entrada naquela instância 60 mandados de injunção (instrumentos judiciais que tratam de casos de violação de direitos constitucionais) reivindicando o aviso prévio proporcional. Desses, restam os 39 processos em andamento, pois 20 foram julgados improcedentes, e apenas 1, procedente. “Essas pessoas que entraram com o mandado e deflagraram o processo [que motivou a aprovação da lei] estavam no limbo. Então, eu trouxe para decidir”, disse o relator da questão no STF, ministro Gilmar Mendes.

— Muitas ações que ainda tramitam em primeira ou segunda instância ganharam mais chance de terem decisões favoráveis aos trabalhadores. Em relação à lei, acredito que este tenha sido o primeiro direito de trabalhadores vindo do Congresso nos últimos dez anos — ponderou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres.

Torres afirma que seu sindicato foi a primeira entidade a assessorar os trabalhadores na reivindicação do aviso prévio proporcional na Justiça, com campanha de mobilização e assessoramento de advogados. Desde a aprovação do projeto de lei, o sindicato atendeu mais de 2 mil metalúrgicos e deu entrada em cerca de 1.400 ações, sendo que 55% foram resolvidas antes da primeira audiência, por acordo com a empresa ou desistência do trabalhador em função do baixo valor. Para 30% das ações do sindicato, ainda cabem recursos. Os outros 15% das ações estão em fase de instrução.

— Com as vitórias de nossas ações, recebemos muitos pedidos de informação de outros sindicatos. Na verdade, esse direito tinha descrédito do corpo jurídico das demais entidades, pois achavam que não ia avançar. Fica a lição de estarmos sempre atentos até às perspectivas de direitos — disse Torres.

Outros países

Em países como Alemanha, Dinamarca, Itália, França e Suíça, o tempo de aviso prévio também é variável. Em alguns casos, pode chegar a seis meses, dependendo da duração do contrato de trabalho e da idade do demitido. Trabalhadores de Argentina, Paraguai, Venezuela e México também recebem o direito de acordo com o tempo de serviço. Uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) emitida em 1982 sobre demissões sugere aos países um aviso prévio com tempo razoável ou uma indenização compensatória.

Em vários países europeus, a proporcionalidade não é considerada apenas de acordo com o tempo de trabalho. Trabalhadores mais velhos, por exemplo, têm direito a um maior número de dias. Há outros onde os empregados da produção têm mais prazo que os da administração. Vários desses países estabelecem um teto de dias, além da proporcionalidade. Na maioria dos casos, há prazos fixados em contratos coletivos — a lei é usada na inexistência de negociação coletiva, o que é raro.

No Brasil, ações pelo aviso prévio proporcional existem no STF desde 1991, dez anos antes da lei, porque esse direito do trabalhador é previsto na Constituição federal (artigo 7º, inciso 21), promulgada em 1988. Diante da falta de regulamentação, as empresas vinham pagando apenas o mínimo (30 dias), sem levar em conta o tempo de trabalho do demitido. Após a sanção da lei, apareceram vários questionamentos no STF pedindo solução para quem havia sido demitido antes e queria ver valer o direito constitucional.

Segurança jurídica

Em seu voto que estende o aviso prévio proporcional a quem entrou com mandado de injunção no STF, Gilmar Mendes ressaltou que a decisão se aplica somente aos processos em trâmite naquela Corte. Não deve estender-se indiscriminadamente a outras disputas na Justiça, segundo ele, para preservar a segurança jurídica no Brasil.

Ou seja: o direito ao aviso prévio proporcional não será retroativo aos demitidos de antes de outubro de 2011 que não entraram com ação nem a quem foi julgado em outras instâncias da Justiça. Em outubro, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a empresa gaúcha Fleury não estava obrigada a pagar o aviso prévio proporcional que havia sido determinado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), porque a demissão aconteceu antes da sanção da lei.

Para o trabalhador que sofre demissão depois da publicação da lei, o aviso prévio proporcional é garantido, sendo pago junto com as demais verbas rescisórias. Nada impede que quem foi demitido antes da lei e não entrou com ação na Justiça tente solicitar o benefício, mas não há garantia de que a reivindicação será ­atendida. Muitos sindicatos estão auxiliando os trabalhadores já demitidos a solicitarem o aviso prévio proporcional, já que a Justiça trabalhista permite reclamações em até dois anos após a dispensa.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, estuda entrar com uma ação constitucional para garantir o direito a todos os demitidos que trabalharam mais de um ano na mesma empresa cujo prazo de 24 meses após a demissão ainda não prescreveu.

O advogado Alves Filho  afirma que o cenário ideal seria que a decisão do STF tivesse aplicação sobre todos os níveis de Justiça, para o direito valer desde 1988, quando foi determinado na Constituição. Mas, segundo ele, o tribunal claramente decidiu sobre um caso concreto.

Reparação de danos

Ainda assim, Alves Filho acredita que os trabalhadores demitidos antes da lei podem processar o próprio Estado brasileiro pela omissão na regulamentação de um direito garantido na Constituição federal.

— Seria uma reparação de danos para mostrar aos parlamentares, quase ­pedagogicamente, que a demora na regulamentação gera um passivo ao Estado. Se o trabalhador demitido antes da lei pedir o aviso prévio proporcional, qualquer empregador vai contestar facilmente dizendo que não havia lei, só previsão  — disse o advogado.

Para Alves Filho, quase ninguém reivindicava o aviso proporcional antes porque a Constituição remetia a uma lei que não existia. Soava como algo muito distante da realidade. O trabalhador brasileiro, diz ele, não tinha tempo para buscar esse direito porque tem que brigar pelo dia a dia, pela vida, pelo sustento da família.

Ontem, também em relação ao aviso prévio, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu que gravidez ocorrida ­naquele período — mesmo que indenizado — garante estabilidade provisória no emprego até cinco meses após o parto, com pagamento de salários e indenização. A decisão não é nova, pois existe orientação jurisprudencial prevendo que a data de saída na carteira de trabalho deve corresponder ao término do prazo do aviso prévio. No caso de ontem sobre a demitida grávida, a empresa ainda pode recorrer. No entanto, a decisão do TST pode abrir jurisprudência para outras trabalhadoras.

Espera de 23 anos pela regulamentação

O projeto que resultou na lei do aviso prévio proporcional (PLS 89/89, do ex-senador Carlos Chiarelli) foi aprovado pelo Senado apenas quatro meses depois da apresentação, no ano seguinte ao da promulgação da Constituição, mas tramitou lentamente na Câmara dos Deputados. Seis anos depois, ficou pronto para votação no Plenário daquela Casa, mas permaneceu paralisado até junho de 2011, quando o STF, ao decidir sobre ações coletivas de quatro demitidos da mineradora Vale, declarou que o Congresso estava sendo omisso. A aprovação na Câmara aconteceu em 21 de setembro de 2011, sem mudar nada no texto do Senado, para que o projeto fosse sancionado logo.

Se os deputados não votassem o projeto do Senado naquela ocasião, o STF criaria uma fórmula para beneficiar o trabalhador no cálculo do aviso prévio. Após 23 anos de espera desde a Constituição, diante do risco de o STF decidir por regras ainda mais onerosas para os patrões, dirigentes empresariais consideraram que uma aprovação na Câmara seria “dos males, o menor”. Os ministros do STF chegaram a cogitar, por exemplo, pagamento de um mês de salário para cada três ou seis anos trabalhados, dez dias de salário para cada ano trabalhado e também um teto de três meses de salário a partir de dez anos de tempo de empresa.

“Força do lobby”

Também foi citado na discussão dos ministros do STF,  quando eles buscavam soluções para o cálculo do aviso prévio proporcional, o PLS 112/09, de Paulo Paim (PT-RS). O senador propõe aviso prévio proporcional de até 180 dias para quem tem mais de 15 anos na empresa. Esse direito, explicou o autor da proposta, tem a finalidade de evitar demissões, diferentemente do FGTS, cujo objetivo é garantir a sobrevivência do trabalhador demitido. Paim promoveu audiências públicas sobre o tema, como presidente da Subcomissão Permanente em Defesa do Emprego e da Previdência Social, convidando representantes dos patrões e dos empregados.

— No fim das contas, aprovou-se outro projeto, que era mais antigo. Foi uma vitória parcial, devido à força do lobby dos patrões. Poderia ser melhor, mas foi um avanço. Valeu a guerra — disse Paim.

Durante os debates no Congresso, empregadores argumentavam principalmente que os trabalhadores seriam prejudicados com a implantação do aviso prévio proporcional. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, por exemplo, alegava que a extensão do direito poderia prejudicar quem pretendesse mudar de emprego. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estimou um custo adicional de R$ 1,9 bilhão por ano devido à novidade, desestimulando a geração de empregos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) propunha o pagamento de apenas um dia por ano trabalhado.

Já os sindicatos de trabalhadores garantem que o aviso prévio proporcional desestimula demissões e reduz a rotatividade de trabalhadores em uma empresa. E apontam um dado estatístico recente para exemplificar como o pagamento do novo direito afetará pouco o desempenho financeiro das companhias: segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, dos 17 milhões de brasileiros demitidos em 2010, 21% deixaram o emprego antes de completar três meses, dentro ainda do período de experiência, e por isso nem receberam aviso prévio.

Outros 56% dos trabalhadores, de acordo com o Caged, deixaram seus empregos em 2010 entre três meses e dois anos depois de terem sido contratados, recebendo 30 dias de aviso prévio. Do total de brasileiros com carteira assinada naquele ano, portanto, somente 23% tinham mais de dois anos de serviço prestado.

— Várias categorias já tinham o aviso prévio proporcional previsto na convenção coletiva. Agora esse direito vale para todos os brasileiros, como determina a Constituição — comemora João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical.

Juruna diz compreender a demora do Congresso para regulamentar o direito dos trabalhadores ao aviso prévio ­proporcional.

— Entendo que os parlamentares sofrem pressões de todos os lados enquanto discutem o assunto.

Representação democrática é assim mesmo. A própria decisão do STF foi uma pressão sobre os congressistas, para votar logo, e em favor dos trabalhadores. Muito positivo — disse o sindicalista.

Outras regras legais foram criadas pelo STF devido à lentidão do Congresso Nacional. Em 2007, o tribunal decidiu que, em caso de paralisação no serviço público, os servidores seriam submetidos às mesmas regras que definem o direito de greve nas empresas privadas. Em 2008, os ministros decidiram estender a uma servidora pública que atuava em condições insalubres as normas de aposentadoria especial na iniciativa privada.

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