Cyro Andrade | De São Paulo
De todos os ângulos que se olhe, a questão industrial é parte essencial da questão maior de competitividade da economia brasileira. Sempre foi assim, mas ganhou importância adicional, recentemente, compreender essa relação na maior extensão possível – e em termos globais -, na medida em que confluíam sinais do que se passou a chamar de “desindustrialização” e movimentos de resposta do governo a esse processo, com medidas típicas de política industrial. O Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças, realizou seminários, em abril e junho de 2012, para discutir o próprio sentido da desindustrialização e, mais importante, esboçar uma contribuição para o que possa constituir uma nova política industrial. Os ensaios reunidos em “O Futuro da Indústria no Brasil” espelham o que foi aquele debate, uma busca de entendimento de problemas da indústria brasileira, uns mais antigos, outros mais atuais. O livro será lançado em São Paulo nesta quinta-feira, às 19 horas, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
“A politização do tema (a desindustrialização) prejudica uma análise mais rigorosa acerca do que se passa. O governo tem uma visão ideológica sobre o papel da indústria no país – há um “fetiche industrial”, uma ideia arraigada de que somente a indústria é capaz de proporcionar as bases para o aumento do emprego, da produtividade e do crescimento”, disse em entrevista ao Valor a economista Monica Baumgarten de Bolle, organizadora, com Edmar Bacha, do livro agora publicado. “Essa postura é respaldada pelos interesses localizados dos próprios empresários de determinados setores. Isso favorece a ausência de uma análise mais isenta, menos normativa e mais positiva, científica, sobre esses assuntos. A consequência é a profusão de medidas sem estratégia clara.”
Leia a seguir trechos da entrevista.
Valor: “Foi com a preocupação de entender melhor o que quer dizer a desindustrialização” (lê-se na introdução do livro) que se decidiu organizar os seminários na Casa das Garças. Em que momento essa “preocupação” tomou corpo, influenciada por quais razões?
Monica Baumgarten de Bolle: O tema da indústria, a preocupação com a sua perda de participação no PIB brasileiro, está conosco, pelo menos, desde 2011. Foi ao longo daquele ano, depois do “Pibão” de 2010 – o ano do crescimento inédito de 7,5% – que a indústria brasileira começou a perder fôlego. Embora 2011 tenha sido um ano bastante difícil para a indústria global por diversas razões – o agravamento da crise política americana, a disseminação dos problemas econômicos, financeiros e políticos na Europa, a redução do ritmo de crescimento da China – havia claras evidências de que o desempenho da indústria brasileira fora ainda pior do que o ocorrido em outros países. Surgiu, portanto, a pergunta: Por quê? De que fatores provinha o mau desempenho dos setores de manufaturados no Brasil? Seria apenas a valorização “excessiva” do câmbio, como diagnosticara, na ocasião, o governo? Ou o problema da perda de competitividade dos produtos brasileiros que se evidenciava era mais complexo do que isso? Essas questões ganharam relevância ao longo da segunda metade de 2011 e do primeiro semestre de 2012, culminando nos seminários que decidimos organizar na Casa das Garças.
Valor: Quais indagações principais então se colocaram como possíveis elementos de exploração temática nos seminários? Em que grau as escolhas temáticas feitas terão sido influenciadas pelo quadro de conjuntura vivenciada na época pela economia brasileira?
Monica: Havia três frentes que queríamos explorar:
1. Como definir a “desindustrialização”, termo que não tinha um significado homogêneo, que abarcava variadas interpretações para diferentes interlocutores – alguns achavam que equivalia à perda de participação da indústria no PIB; outros, a identificavam com o deslocamento de fatores de produção do setor industrial para os setores de serviços, bem como para o polo agro-mínero-industrial.
2. Qual o diagnóstico do problema, isto é, por que a indústria brasileira estaria definhando?
3. O encolhimento da indústria seria prejudicial ao país no médio prazo? Ou, dito de outra forma, teria a indústria algo de “especial” que outros setores não tinham, ou seria a ideia de que o Brasil geraria menos empregos e menos crescimento com um setor industrial mais restrito fundamentalmente equivocada? Nessa linha, o juízo preconceituoso em relação aos setores de commodities, à “reprimarização” da produção brasileira, era falacioso?
Esses questionamentos tinham relação direta com o que se observava no quadro conjuntural, bem como com as declarações do governo brasileiro sobre o problema.
Valor: Um ano depois, tendo o novo governo federal supostamente ganhado condições de posicionar-se frente aos principais problemas da economia, que avaliação pode ser feita de decisões tomadas em áreas críticas para a elevação da competitividade da indústria brasileira? Essas decisões refletem compreensão suficiente da natureza dos problemas a enfrentar?
Monica: De um lado, houve um reconhecimento gradual do governo brasileiro de que os problemas de competitividade da indústria iam muito além do câmbio. Isso foi bastante positivo, pois reposicionou o foco da competitividade nas questões estruturais que de fato estrangulam a produção no país: a carga tributária onerosa, a infraestrutura desmazelada, o hiato entre salários e produtividade que pressiona os custos das empresas. Contudo, falta ainda ao governo uma visão estratégica sobre como enfrentar esses problemas, modernizando a indústria.
Considere, por exemplo, o que fazem hoje países latino-americanos como o México: percebendo que a indústria moderna é global, que os produtos manufaturados em um determinado país são nada mais do que elos nas cadeias produtivas mundiais – pense na fabricação de um iPad, que está distribuída mundo afora – as autoridades mexicanas têm buscado acordos comerciais numa tentativa de engajar a indústria nessas redes globais. Voltam-se para fora. Nós, aqui, caminhamos na direção contrária. Em vez de nos abrirmos para o resto do mundo, nos fechamos por intermédio de políticas protecionistas que excluem a indústria brasileira dessas cadeias globais de produção. Desse modo, ainda que resolvêssemos os problemas identificados pelo governo desonerando a indústria, investindo em infraestrutura e qualificando a mão de obra, não teríamos uma indústria condizente com a realidade atual.
Valor: No mesmo período, a questão cambial manteve-se, e mantém-se em aberto, no sentido de que não se tem uma visão clara do que seja, do ponto de vista governamental, o melhor uso a fazer do câmbio na condução mais geral da política macroeconômica, seja isoladamente, seja em conjunto com medidas administrativas, como tributação, por exemplo, sobre o comércio exterior. Em que medida essa falta de explicitação constituiria um problema adicional entre aqueles que influem sobre a competitividade das empresas brasileiras?
Monica: A falta de rumo macroeconômico, a ausência de clareza sobre o que é a política cambial e sobre como o governo resolverá o dilema do crescimento baixo com inflação alta que nos aflige, isso cria incertezas adicionais para a indústria. O governo se refere constantemente ao “espírito animal”, essa entidade que deveria impulsionar o ânimo dos empresários, galvanizando o investimento. Mas, como fazer isso se o próprio governo envia sinais conflitantes sobre o câmbio, sobre os juros? Ora quer uma taxa mais desvalorizada, ora prefere que se valorize um pouco para conter as pressões sobre os preços. Ora insiste que os juros não aumentarão, ora diz que não tolerará uma alta inflacionária, o que implica, necessariamente, uma mudança de rumo na política monetária. O empresário, ressabiado, fica acuado. Como o investimento não vem, o governo, então, concede benesses de todos os tipos – crédito público farto e barato, desonerações em série, subsídios ao investimento – prejudicando as contas públicas e abalando a estabilidade macroeconômica do país. A inflação sobe e se retorna ao ponto de partida inicial, em que as declarações e as ações sobre o câmbio e os juros ficam nebulosas. O governo anda em círculos porque não tem estratégia.
O mesmo de dá com o comércio exterior. Veja a questão das tarifas de importação. Há poucos meses, o governo anunciou uma lista de 100 produtos que ficariam sujeitos a tarifas de importação mais elevadas. Agora, diante de um quadro inflacionário assustador, reverte a medida. É muito ruído.