São Paulo tem a maior manifestação desde impeachment de Collor

Cristiane Agostine, Vandson Lima e Luciano Máximo | De São Paulo

Joel Silva/Folhapress

A manifestação contra o reajuste da tarifa de ônibus reuniu 65 mil pessoas ontem em São Paulo segundo o Datafolha. É a maior manifestação na cidade desde os cara-pintadas que apoiaram o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Naquela ocasião a Polícia Militar estimou em 70 mil o número de manifestantes reunidos no Anhangabaú, centro de São Paulo.

Desta vez, a polícia foi instruída a não reprimir o protesto. O clima só ficou tenso às 21h45 quando o grupo que saiu do Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo, chegou ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo.

Os integrantes do Movimento do Passe Livre (MPL) se uniram aos policiais para conter manifestantes que avançavam sobre as grades aos gritos de “Se não abrir vamos invadir”, ou “É a revolta da periferia”, “É a resposta ao Carandiru”.

Horas antes, quando se dirigam ao Palácio, seis policiais militares que acompanham os representantes do MPL na linha de frente do protesto pelo aumento da tarifa de ônibus fizeram um gesto simbólico de adesão à manifestação.

Ao passarem pela Av. Luiz Carlos Berrini, centro financeiro na zona sul de São Paulo, o grupo sentou-se, os PMs aderiram e sentaram-se também, sendo muito aplaudidos pelos manifestantes. Em seguida, entoaram que os policiais também eram trabalhadores e sofriam com a qualidade do transporte.

Por conta do número reduzido de policiais, os manifestantes cantavam: “Que coincidência, não tem polícia, não tem violência.”

Pela manhã, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, havia anunciado mudanças na atuação da Polícia Militar na manifestação. O secretário vetou o uso de balas de borracha e, ao contrário do que aconteceu na quinta feira, não colocou a Tropa de Choque no policiamento.

A ação da Polícia Militar fez crescer a participação popular no quinto protesto. A advogada e professora Maria Cristina de Oliveira Monteiro, de 47 anos, disse ter ido à manifestação depois de se revoltar contra as denúncias de abuso da PM. “Para cada um que apanha, mais mil vão para a rua”, afirmou a advogada. Junto a ela, sua filha Isabela Cristina Monteiro, de 19 anos, disse ter ido para reclamar “da roubalheira que existe” no país. “Somos explorados todos os dias.”

O universitário Leonardo Cantelli Foltran, de 17 anos, também estreante na manifestação, disse não concordar com 90% das propostas que o Movimento Passe Livre – uma das entidades organizadoras da manifestação – defende. “Mas depois que a polícia mandou a democracia para o lixo, resolvi vir. R$ 3,20 [para a passagem de ônibus] é um valor muito alto, mesmo para a classe média.”

Há mais bandeiras de partidos neste protesto. No entanto, boa parte dos manifestantes criticou a tentativa de politização do evento e grita frases como “é sem partido” – fato que gerou pequeno atrito entre os próprios manifestantes.

Para o fotógrafo Rafael Wainberg, de 38 anos, a manifestação é apartidária. “Estão tentando tirar proveito, mas isto não é lugar para se conquistar votos”, afirmou.

Além de reclamar contra o aumento das tarifas de transporte, os manifestantes protestam quanto a diferentes temas, como corrupção, imprensa, e a ação policial.

A questão partidária motivou desentendimento entre os manifestantes. Grande parte pedia que os protesto tivesse caráter apartidário. “O povo unido não precisa de partido”, bradavam, ante às bandeiras de grupos ligados ao PSOL, PSTU e à União da Juventude Socialista (UJS), do PCdoB.

Kátia Passos, mulher do fotógrafo Sérgio Silva, atingido por uma bala de borracha atirada pela PM na manifestação de quinta-feira, esteve na marcha de ontem. Segundo ela, há sério risco de Sérgio perder a visão do olho esquerdo. “Ele está em casa, mas muito abalado psicologicamente”. Nem a PM nem o governo estadual buscaram contato com o fotógrafo. “É um descaso total. Nenhuma assistência foi oferecida”, relata Kátia.

Hoje deve acontecer novo protesto, na Praça da Sé, região central, às 17 horas.