Eduardo Laguna | De São Paulo
O Cruze pode, sem exagero, ser considerado um marco na história recente da General Motors (GM). Afinal, há três anos, o lançamento desse sedã deu início a uma ampla renovação de portfólio realizada logo depois que o grupo saiu de uma penosa reestruturação para cortar custos e evitar sua falência em meio à crise econômica que atingiu em cheio a indústria automobilística americana entre 2008 e 2009.
Como costumavam dizer os executivos da montadora na época, era o surgimento de uma “nova GM”. Ou seja, uma nova chance de se reerguer após as turbulências que, não fossem os pesados empréstimos estatais, teriam levado a maior montadora americana à lona. Hoje, o Cruze é o segundo carro mais vendido pela GM nos Estados Unidos. Com mais de 183 mil unidades emplacadas até agosto – alta de 18,2% em relação ao desempenho de um ano atrás -, perde apenas para a picape Silverado.
Também faz sucesso na China, o maior mercado automotivo do mundo. Lá, o Cruze lidera na gama de produtos da linha Chevrolet. Só no mês passado, foram quase 21 mil unidades, volume que o coloca como sétimo automóvel mais vendido no país asiático quando se considera apenas o mercado de carros dos tipos hatch e sedã.
Tanto na China como nos Estados Unidos – os dois maiores mercados automotivos do mundo -, o Cruze é, portanto, um carro popular. Mas no Brasil, o quarto mercado global, não chega a representar 8% de tudo o que a GM vende no país. Essa não é uma situação isolada porque os carros mais vendidos do mundo (veja gráfico acima) são, em geral, caros e pouco acessíveis no Brasil.
O Hyundai Elantra, por exemplo, está em terceiro lugar neste ano em um ranking global feito pela consultoria Jato Dynamics. No Brasil, contudo, responde por apenas 2% das vendas da marca coreana. O mesmo acontece com o Golf, da Volkswagen: oitavo no mundo, mas na 44ª posição no ranking brasileiro de automóveis da Fenabrave, a entidade que representa as concessionárias.
Enquanto o mercado brasileiro é dominado por carros pequenos – como Gol, Uno e Palio -, em países desenvolvidos, e mesmo na China, existe forte demanda por veículos maiores. No Brasil, quase metade das vendas está concentrada em carros de entrada ou pequenos. Os modelos que fazem sucesso aqui, na maioria das vezes, têm atuação regional e, por isso, não se destacam em rankings globais, onde há predominância de veículos vendidos em várias partes do mundo. Já nos Estados Unidos, 52% do mercado é de veículos médios e utilitários esportivos.
Embora exista uma tendência que vai na direção contrária a esses números – com o consumo brasileiro migrando para carros um pouco maiores e o americano, em direção a veículos menores -, a diferença no perfil desses mercados se explica, em parte, pelo poder aquisitivo. Como a renda per capita no Brasil é menor, comparativamente a economias mais maduras, as montadoras instaladas no país se dedicaram, principalmente, aos carros mais baratos – ou seja, os compactos. Alguns dos modelos de gamas superiores e que fazem sucesso em outras partes do mundo, como o Elantra e o Passat (Volkswagen), nem chegam, então, a ser fabricados por aqui.
Mas também há uma explicação ligada à disparidade nos preços praticados no Brasil em relação ao exterior. Mesmo sendo produzido em São Caetano do Sul (SP), o Cruze, na versão sedã, custa no mercado brasileiro o equivalente a US$ 28,9 mil. Nos Estados Unidos, tem preço bem inferior: um pouco acima de US$ 17 mil. O modelo produzido no Brasil também é cerca de US$ 10 mil mais caro do que na China. O Focus, líder global de vendas fabricado pela Ford, parte de US$ 22,1 mil no Brasil, quase US$ 3 mil a mais do que o preço mínimo no mercado americano.
As montadoras atribuem a diferença de preços ao alto custo de produção no Brasil – entre pesados impostos, juros elevados, mão de obra cada vez mais cara, valorização do real nos últimos dez anos e as ineficiências na infraestrutura que tornam mais caro o transporte dos produtos. “O custo para transportar um veículo do Rio Grande do Sul para Manaus chega a equivaler mais de 10% do preço de um carro popular”, afirma Luiz Moan, presidente da Anfavea, a entidade que representa os fabricantes de veículos. Os críticos, porém, acrescentam a esses fatores o protecionismo comercial – que tira a competitividade dos veículos importados – e a alta disposição do consumidor brasileiro de pagar qualquer preço por um carro.
“Existe quem compre um Gol por R$ 40 mil. Então, para que abaixar os preços deste veículo?”, diz Milad Kalume Neto, analista da Jato. Assim, diz ele, modelos vendidos em faixas de preços intermediárias nos mercados europeu e americano são supervalorizados no Brasil. “Existe, claro, o fator cambial aos importados, os tributos diretos e indiretos, a péssima logística e a infraestrutura precária, bem como também existe a alta demanda. O brasileiro compra”, diz o especialista.