Sindicato pediu mudança. Acidentes de trânsito matam mais de 50 mil por ano, segundo ONG
Segurança em 2º plano
Luciana Casemiro, Clarice Spitz, Roberta Scrivano, Lino Rodrigues, Ronaldo D’Ercole
RIO E SÃO PAULO – A discussão no governo sobre o adiamento da exigência de inclusão de freios ABS e airbags em 100% dos veículos fabricados no país a partir de 2014 – motivada pela preocupação com a inflação e pela pressão de montadoras e sindicatos às vésperas de um ano eleitoral – foi interpretada por especialistas como um retrocesso à segurança dos motoristas brasileiros.
Acidentes de trânsito matam mais de 50 mil pessoas por ano e deixam mais de 400 mil com sequelas, destaca José Aurélio Ramalho, diretor-presidente da ONG Observatório Nacional de Segurança Viária. O Insurance Institute for Highway Safety (IIHS) estima que o uso do ABS e do airbag pode reduzir em 29% o risco de lesão grave ou morte. Cerca de 70% dos carros são vendidos com o equipamento.
Paulo Arthur Góes, diretor executivo do Procon-SP, lembra que os carros brasileiros têm apresentado repetidamente as piores notas em testes de impacto:
– É um absurdo. As eleições não podem estar acima da segurança dos cidadãos. Em nome de manter índices de emprego e inflação não se pode abrir mão da segurança. Essas empresas tiveram todas as benesses e deram contrapartida zero. Fora do Brasil, elas não se arriscariam a colocar um carro no mercado sem airbag, sabem que o consumidor não aceitaria.
Sindicato avisado com antecedência
Para a Proteste, que avalia os carros brasileiros há sete anos em parceria com o Programa de Avaliação de Carros Novos Latin NCAP, a segurança sempre foi um quesito que deixou a desejar.
– Se o governo incentiva carro popular, é contrassenso não colocar equipamento de segurança – diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Sobram críticas até sob a ótica do investimento das montadoras. Para Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria ADK, a mudança faltando 20 dias para a implementação soaria como “brincadeira do governo” pois o planejamento das montadoras é feito com ao menos seis meses de antecedência: – Está na hora de rever os impostos da cadeia, em vez de ficar no sobe e desce do IPI e vendendo carros inseguros.
A Anfavea, associação que reúne as montadoras, e interlocutora frequente do governo, se afastou da polêmica.
– É importante ressaltar que as montadoras já investiram para equipar a totalidade da produção com os itens – disse o presidente da Anfavea, Luiz Moan, convocado para uma reunião com o ministro da Fazenda, Guido Mantega na terça-feira.
Para Rogélio Golfarb, ex-presidente da Anfavea e atual vice-presidente da Ford, o adiamento beneficia Fiat e Volkswagen, que teriam de retirar do mercado modelos populares, como a Kombi.
– A adoção do airbag e do ABS em todos os modelos pode mudar a participação do mercado – disse Golfarb.
Anteontem, antes mesmo de Mantega afirmar que o governo poderia adiar a obrigatoriedade de itens de segurança, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC anunciava aos empregados da Volks de São Bernardo do Campo que o governo divulgaria medida para os próximos dois anos que permite que os veículos Kombi e Gol G4 continuem na linha de produção.
Em entrevista ao jornal da associação, Santana disse que o sindicato aproveitou a presença da presidente Dilma Rousseff na cerimônia do título de doutor honoris causa recebido por Lula na Universidade Federal do ABC para falar sobre o risco de quatro mil demissões no início do ano.
Nesta quarta-feira, o sindicalista confirmou ao GLOBO que a mudança é um pleito do sindicato. Segundo ele, a questão foi negociada desde o início do ano e envolveu os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, além do secretário geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: – Foram dezenas de conversas no sentido de criar uma alternativa que preservasse os postos de trabalho na Volks.
Miguel Torres, presidente da Força Sindical, disse considerar o pedido absurdo:
– Quem compra carro popular é trabalhador, e quem morre no trânsito são os trabalhadores.