Depois das vendas recordes no mês de janeiro, que atingiram 312,6 mil veículos, incluindo caminhões e ônibus, a indústria automobilística já dá sinais de desaquecimento. As vendas diárias na primeira metade de fevereiro apresentam queda de 25% em relação ao mês passado e de 18% na comparação com igual período de 2013.
O desempenho acendeu a luz vermelha para o setor, e analistas temem possível impacto negativo no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, diante de um cenário de estoques altos e vendas em queda. O setor é visto por vários segmentos da economia, incluindo o governo, como um dos carros-chefe da economia, por envolver uma extensa cadeia produtiva.
A gestora de recursos JGP, do Rio de Janeiro, projeta crescimento de 0,2% do PIB no primeiro trimestre e de 1,5% no ano, mas pode rever essa previsão para baixo. Um das principais razões para a revisão é justamente o desempenho das vendas domésticas do setor automotivo, diz o economista Augusto Vanazzi.
Ele explica que a alta do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no início de janeiro levou a um aumento da demanda, pois as revendedoras atraíram consumidores com ofertas dos últimos veículos com incentivo tributário.
Reversão. Neste mês, porém, o movimento teve uma reversão. A média de vendas por dia caiu para 11,88 mil unidades, 18,6% abaixo das 14,6 mil unidades de fevereiro de 2013 e 25,7% menor que a média de janeiro, de 16 mil veículos. A média dos primeiros 13 dias deste mês também está bem abaixo da mediana do período entre 2009 e 2013, de 12,4 mil veículos. No primeiro bimestre até agora, a média diária está 5% inferior à do ano passado.
O vice-presidente da Ford, Rogelio Golfarb, ressalta que este mês teve nove dias úteis até agora, mesmo número de janeiro, mas três a mais que o mesmo período do ano passado. Com isso, em números absolutos as vendas até quinta-feira (último dado disponível) somam 106,9 mil unidades, ante 87,6 mil em fevereiro de 2013 e 144 mil em janeiro deste ano.
Golfarb pondera ainda que as vendas recordes de janeiro foram sustentadas pelos resultados dos primeiros dias do mês. De 1.º a 12 de janeiro a média diária foi de 16,7 mil unidades, enquanto no restante do mês variou de 11,7 mil a 13,9 mil. “Nos primeiros dias do mês passado houve uma corrida às lojas para aproveitar os estoques de carros com IPI antigo”, afirma Golfarb. “Se não fosse esse pico teríamos um quadro negativo.”
Estoques. Além da fraca demanda interna, outro fator de preocupação para a JGP são os estoques de automóveis e comerciais leves. Apesar de terem caído do equivalente a 37 dias de vendas para 33,6 dias entre dezembro e janeiro, estão acima da média histórica, desde 2003, de 30 dias. “O setor está estocado e com queda forte de demanda”, analisa Vanazzi.
Também há o problema da Argentina, mercado de destino de 85% das exportações de automóveis do Brasil em 2013. Aproximadamente 15% da produção brasileira é exportada e, com a desvalorização argentina e a provável redução de importações é possível que os fabricantes nacionais sintam um efeito não desprezível.
A JGP avalia que uma queda de 20% nas importações argentinas de automóveis poderia levar a uma redução de 2,6% da produção brasileira. Uma queda de 30% causaria uma contração de 3,9%.
Estratégico. Vanazzi ressalta que o setor automotivo é central para a indústria e pode piorar ainda mais o quadro já difícil da produção industrial. Nos últimos anos, em diversas ocasiões, o governo mostrou a importância que dá à indústria automobilística, que sempre foi peça fundamental na estratégia de estímulos tributários.
Agora, com a política de incentivos em xeque pela perda de arrecadação, o setor surge como preocupação a mais num ano em que as perspectivas do PIB já são sombrias.
No ano passado, a produção cresceu quase 10% em relação a 2012, com resultado recorde de 3,74 milhões de veículos, impulsionada pelas exportações, principalmente para a Argentina.
Para este ano, a expectativa da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é de alta de apenas 1,4%, levando com conta a perda de contratos do país vizinho e menor ritmo na substituição de carros importados por nacionais.
“As exportações certamente vão patinar este ano por causa dos problemas na Argentina”, afirma o consultor da Carcon Automotive, Julian Semple.
Já para o mercado interno, Semple não vê um cenário tão complicado quanto muitos analistas preveem. “Muitos avaliam, por exemplo, que a Copa e as eleições vão atrapalhar os negócios, mas acredito que o consumidor possa adiar a compra nesses períodos, mas vai comprar antes ou depois.”