Com pátios lotados, representantes dos fabricantes de veículos e dos metalúrgicos vão propor a adoção do modelo alemão, em que os empregados são afastados, mas não são demitidos, e a conta dos salários é dividida entre governo, empresas e trabalhadores
Diante da ameaça de uma crise no setor automobilístico, com vendas no mercado interno e exportações em queda, empresas dando férias coletivas e abrindo programas de demissão voluntária (PDV), empresários e sindicalistas voltam ao governo federal para retomar discussões sobre a criação de um sistema nacional de proteção ao emprego.
A proposta é adotar um programa similar ao da Alemanha. O modelo alemão prevê que, em tempos de crise, os trabalhadores são afastados, mas não são demitidos. Eles continuam vinculados à empresa e recebem seus salários, boa parte paga pelo governo.
O programa é mais abrangente do que o lay-off (suspensão temporária dos contratos de trabalho) que vem sendo usado atualmente. Já foi discutido com o governo Dilma Rousseff em 2012, mas caiu no esquecimento, em parte porque naquele ano o mercado de carros estava bombando e registrou venda recorde de 3,8 milhões de veículos.
Em 2013, as vendas caíram 0,9%, após uma década de resultados crescentes. Os negócios seguem cambaleantes em 2014. No primeiro trimestre, as vendas foram 2,1% menores do que no mesmo período do ano passado.
Cerca de 1,5 mil trabalhadores perderam emprego nas montadoras desde o início do ano. De cada vaga nas fábricas de veículos dependem, em média, entre três e cinco empregos no resto da cadeia produtiva. Hoje com pátios cheios, a saída tem sido as paralisações pontuais nas linhas de montagem.
Além de férias e PDV, algumas empresas optaram pelo lay-off. Nesse mecanismo, o funcionário é afastado e parte dos salários é bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Ministério do Trabalho, mas essa contribuição é limitada a cinco meses
Seguro-desemprego. Pelo novo modelo em discussão, a dispensa teria duração de até dois anos, mas não é integral. A jornada de trabalho seria reduzida em 20% a 50% e o governo arcaria com 60% a 80% do valor equivalente às horas reduzidas. A diferença seria bancada pelas empresas e o trabalhador arca com parcela menor da redução.
Os porcentuais que caberão a cada parte ainda estão sendo analisados, informa o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques. A parcela do governo viria do FAT, mas da verba usada para o seguro-desemprego (pago durante cinco meses aos demitidos sem justa causa).
Marques aguarda para os próximos dez dias um encontro com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para discutir o tema. Em 2012, após visita de representantes da indústria, dos trabalhadores e do governo brasileiro à Alemanha para conhecer o programa local, o assunto foi debatido no âmbito federal, mas não se chegou a uma proposta.
“Achamos que esse é o momento para retomarmos a discussão sobre um plano de estabilização dos empregos, mas pensamos no longo prazo e não apenas na situação atual”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan.
“O importante é buscar uma alternativa envolvendo as três partes: empresários, governo e trabalhadores”, diz Moan. O formato do programa, continua, está em análise e virá de um consenso entre as três partes.
Moan afirma que a economia, e o setor automotivo, têm ciclos de crescimento e de baixa, por isso a importância de se ter um sistema de proteção para ser adotado quando necessário. O modelo serve também para os demais setores da economia.
“Vários países na Europa têm programas nessa linha, mas nossa base é o modelo alemão, o mais eficiente”, diz Marques. “Tanto que, em plena crise europeia, a taxa de desemprego na Alemanha se alterou pouco e o mérito é a preservação do vínculo do funcionário na empresa.”
Modelo trabalhista pode ser adotado em crise regional
Empresas e sindicatos discutem a possibilidade de realizar acordos coletivos para lidar com crise local ou nacional
O programa de estabilização de empregos, em discussão entre empresas, centrais sindicais e governo, pode ser adotado em tempos de crise regional, setorial ou nacional. O reconhecimento de que um setor passa por uma crise viria do próprio governo. O acerto para adotar o mecanismo seria por meio de acordos coletivos entre as empresas e os funcionários.
Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, o sistema tem potencial para conter a rotatividade no trabalho.
Ele lembra a crise de 2009, quando várias empresas no ABC paulista demitiram funcionários e, seis meses depois, voltaram a contratar.
“A empresa perdeu porque pagou verbas rescisórias e o governo teve de arcar com o seguro-desemprego”, afirma Marques. “Certamente ficou mais caro do que se tivéssemos o programa para ser utilizado.”
Na opinião de Marques, se o País já tivesse um regime de proteção ao emprego, a Mercedes-Benz não teria iniciado neste mês um programa de demissão voluntária (PDV) para cortar 2 mil empregados na fábrica de caminhões e ônibus de São Bernardo do Campo.
A PSA Peugeot Citroën e a MAN/Volkswagen, ambas com fábricas no Rio de Janeiro, optaram por colocar funcionários em lay-off (suspensão temporária dos contratos de trabalho). Quando esse programa é adotado, o recolhimento de encargos como FGTS e ISS são suspensos, o que resulta em prejuízo futuro ao trabalhador. No sistema nacional de proteção proposto ao governo o recolhimento permanece.
Urgência. O presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), Paulo Butori, lembra que a produção brasileira no primeiro trimestre foi de 789,8 mil veículos, 8,4% abaixo do registrado no mesmo período de 2013. Em março, os pátios das fábricas e revendas tinham estoques equivalente a 48 dias de vendas.
“A continuar nessa marcha, o setor encontrará dificuldades para reter o pessoal ocupado e muitas empresas, em especial as pequenas, não terão condições de arcar com o lay-off. “Não restará alternativa que não a demissão.”
Butori lembra que em 2012, quando a comitiva tripartite esteve na Alemanha, havia “fartura” de empregos no Brasil. “Mas em 2014 pode ser bem diferente.” Para ele, é da maior urgência a aprovação de um mecanismo de proteção do emprego para as “horas de dificuldade”.
Uma proposta que chegou a ser avaliada por empresas e sindicatos seria o uso dos 10% de multa do FGTS paga pelas empresas no caso de demissões, mas, segundo o governo, essa verba já está comprometida com o programa Minha Casa Minha Vida.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, afirma que a central apoia e participará da iniciativa de se criar um modelo próprio para o Brasil, similar ao alemão (leia abaixo).
Juruna ressalta que várias empresas da base de sindicatos filiados à Força, especialmente aquelas vinculadas ao setor automotivo, já começaram a dar férias coletivas e ele teme agravamento da situação.
O representante da Casa Civil que acompanha o tema não quis dar declarações.