Vinte anos após a onda de investimentos em inovação tecnológica desencadeada pela abertura comercial do início da década de 90, seguida pela chegada de montadoras francesas e japonesas, a indústria automobilística brasileira vive um novo ciclo de modernização com a inserção do país na rota das plataformas de produção globais.
Tomadas por robôs e equipamentos inteligentes, as fábricas que estão sendo inauguradas por montadoras novatas, ou atualizadas pelas marcas de longa data no país, são o melhor retrato do progresso na automação industrial desse setor. Elas reúnem tecnologias que chegam não apenas para alinhar os carros daqui aos padrões de qualidade dos mercados mais exigentes, mas também para melhorar a produtividade das linhas, o que tem sido considerado um dos maiores desafios da indústria com a escalada dos custos de mão de obra e matéria-prima dos últimos anos.
Duas décadas atrás, as montadoras empregavam quase 80 trabalhadores a cada mil veículos produzidos. Hoje, chegam a igual volume com menos da metade dessa força de trabalho: 35 operários a cada mil unidades.
A automação é maior nas linhas de pintura e soldagem, onde a presença maciça de robôs praticamente dispensa a atuação humana. E como os equipamentos são mais eficientes, as novas fábricas, segundo montadoras que finalizaram investimentos recentes, ainda conseguem reduzir em até 40% o custo com insumos como energia e água a cada automóvel que sai da linha de montagem. Somam-se a isso ganhos de ergonomia – dado o menor esforço braçal dos operários -, maior controle da produção e flexibilidade para interferências nas linhas de produção.
Entre os exemplos, a fábrica que a Fiat está erguendo em Goiana (PE) para a produção de modelos da marca Jeep, da controlada Chrysler, será a mais moderna do grupo no mundo, segundo já declararam dirigentes da própria montadora. Em Taubaté, no interior paulista, a linha de pintura do Up! – subcompacto lançado no início deste ano pela Volkswagen – consome 20% menos água e 30% menos energia na comparação com processos do tipo convencionais. Não à toa, a montadora de origem alemã destinou a esse setor quase R$ 430 milhões do montante de R$ 1,2 bilhão em investimentos na produção desse carro.
Na unidade da Hyundai em Piracicaba (SP), onde é montado o HB20, a automação chega a 100% no setor de soldagem, ocupado por robôs fabricados pela empresa de máquinas e equipamentos do próprio conglomerado coreano. Já em fábricas da Nissan, inaugurada em abril na cidade de Resende (RJ), ou da Mercedes-Benz em Juiz de Fora (MG), onde são fabricados caminhões extrapesados, as peças e os próprios veículos são transportados durante o processo de montagem em plataformas móveis que seguem uma trilha magnética no chão da fábrica.
Além de tirar peso dos operários, a tecnologia, se comparada ao sistema mais tradicional movido por correntes, dá maior flexibilidade para alterações e otimização da linha de produção, uma vez que o traçado magnético pode ser facilmente alterado. Também reduz o risco de interrupções: se houver algum problema em uma dessas plataformas, basta retirá-la da linha, sem que seja necessário parar toda a produção.
Dentro do investimento de R$ 2,6 bilhões na fábrica de Resende, a Nissan trouxe do Japão 88 robôs. Eles realizam, por exemplo, o fechamento da carroceria do March, o modelo produzido no local. Segundo Wesley Custódio, diretor de manufatura da fábrica, a automação reduz em 40% a necessidade de mão de obra e gera economia de igual proporção em custos com matérias-primas. “É um nível de automação expressivo para o início de produção de um carro popular”, diz Custódio. “Temos aqui tudo o que se vê nas outras fábricas da Nissan no exterior.”
Para monitorar melhor a produção, a qualidade e a necessidade de manutenção das máquinas, a Ford implementou um sistema no qual todos os equipamentos se comunicam com uma central de gerenciamento sem fio (wi-fi) na nova fábrica de motores em Camaçari, na Bahia. O posicionamento correto de cada peça do propulsor que vai equipar a nova geração do modelo compacto Ka também é acompanhado por meio de câmeras de alta definição.
Frank Sowade, vice-presidente da SAE Brasil, associação que reúne engenheiros ligados à tecnologia da mobilidade, diz que a modernização do parque fabril das montadoras veio na esteira da substituição de carros regionais por modelos globais, desenvolvidos para produção em diferentes países com pequenas adaptações. Isso tem forçado a atualização nos processos industriais, já que fabricantes nacionais estavam atrasados em relação aos países onde os modelos globais são desenvolvidos. “Há uma tendência cada vez mais forte de se ter processos comuns em todas as fábricas do mundo”, afirma Sowade.
Ou seja, produtos globais trazem consigo sistemas de produção também globais, o que, para o Brasil, significa reduzir a defasagem industrial em relação a outros países, até mesmo os desenvolvidos. Essa evolução tecnológica tende a chegar a um novo patamar com a instalação no país das fábricas de carros premium.
Em Araquari (SC), onde a BMW ergue sua primeira unidade fabril na América do Sul – com inauguração prevista para outubro -, estão sendo instalados 15 robôs, a maioria nos setores de armação da carroceria e de pintura. “Vamos seguir os mesmos padrões de qualidade, tecnologia e sustentabilidade encontrados em todas as unidades produtivas do grupo BMW no mundo”, garante Gerald Degen, vice-presidente responsável pela fábrica da marca de luxo alemã no norte catarinense.