A próxima grande crise global pode ter origem no mercado de trabalho e o Brasil deve ser um dos países mais afetados pela carência de mão de obra. Restrições trabalhistas já enfrentadas pelo país podem se agravar nos próximos anos, com um déficit de 8,5 milhões de trabalhadores em 2020. Até 2030, esse número será cinco vezes maior: a carência de mão de obra pode chegar a 40,9 milhões de pessoas, indica estudo do Boston Consulting Group (BCG) obtido com exclusividade pelo Valor.
O estudo analisou a dinâmica de oferta e demanda de mão de obra em 25 países, que englobam 65% da população global e mais de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, e concluiu que os desequilíbrios na força de trabalho podem gerar perdas de US$ 10 trilhões no período analisado. As perdas viriam tanto de carências quanto de excessos agudos na disponibilidade de mão de obra global, exacerbados por fatores que vão de crescimento econômico anêmico e envelhecimento populacional a baixas taxas de natalidade e políticas restritivas de imigração.
Com restrições no mercado de trabalho, o Brasil está ao lado de países como Alemanha (país cujo déficit deve ser de 2,4 milhões de trabalhadores até 2020 e de 10 milhões até 2030), Polônia, Rússia e Japão, nos quais a oferta de mão de obra já registra contração e deve continuar caindo até 2020, com uma piora desse quadro até 2030.
Diferentemente da Alemanha, porém, um dos principais aspectos restritivos do mercado de trabalho local é a baixa qualificação de parte da população em idade ativa do país (acima de 15 anos, segundo o estudo). “A população tem taxa de crescimento negativa, mas, além disso, em razão do nível educacional, não conseguimos ter uma população economicamente ativa de qualidade, o que começa a limitar o crescimento econômico”, diz Christian Orglmeister, sócio da BCG.
Segundo o estudo, os números alarmantes de carência de mão de obra podem ser contornados por iniciativas que englobam aumento da produtividade por meio de investimentos em infraestrutura, inovação, tecnologia e programas de qualificação de mão de obra; elevação da taxa de participação no mercado, aumentando, por exemplo, o número de mulheres na força de trabalho; aumento da idade para aposentadoria e promoção de vagas de trabalho para a população mais velha; estímulo à imigração e mobilidade de talentos entre os países. Além de elevação das baixas taxas de natalidade.
Dentre os 25 países estudados, a maioria ainda deve contar com excedente de mão de obra até 2020. Nos dez anos seguintes, no entanto, o superávit deve se transformar em déficit severo de mão de obra, o que, além do baixo crescimento, pode resultar em pressões inflacionárias de salários – algo já enfrentado pelo Brasil -, o que pode abalar a competitividade das economias. Entre as exceções, os Estados Unidos, por exemplo, devem encarar um superávit entre 17,1 milhões e 22 milhões de trabalhadores em 2020, desacelerando para cerca de 7,4 milhões até 2030.
No grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), só a Índia está a salvo de um problema de escassez de mão de obra. O superávit da China – entre 55,2 milhões e 75,3 milhões de trabalhadores em 2020 – pode se reverter em déficit acima de 24,5 milhões de trabalhadores em 2030, especialmente por conta da política de um filho por família.
Aliado a um crescimento econômico persistentemente baixo, o excesso de mão de obra pode levar, em nível individual, a desemprego em prazo mais longo e redução da empregabilidade, indica o estudo. De modo mais amplo, o excesso de trabalhadores pode acarretar queda de arrecadação de impostos e aumento do custo dos serviços sociais, além de risco de instabilidade, também reduzindo a competitividade e a atratividade para investidores.
Para os países que poderiam produzir mais se criassem vagas suficientes no mercado de trabalho, o estudo sugere o estímulo a programas de qualificação e a incorporação de trabalhadores à economia formal, com a simplificação das leis trabalhistas e do sistema de impostos.