As vendas estão em queda, mas, na média, o brasileiro vem pagando R$ 2,7 mil a mais na compra do carro novo neste ano. Levantamento feito pela consultoria Oikonomia mostra que o valor de cada automóvel licenciado no primeiro semestre chegou a R$ 47,8 mil, quase 6% acima dos R$ 45,1 mil de um ano atrás, o que tem ajudado a indústria a minimizar os efeitos da forte retração de demanda.
Enquanto, em volume, as vendas recuam mais de 7%, a queda no faturamento das marcas mais populares do país, estimada em 3%, não chega à metade disso em 2014 (veja gráfico). O maior descompasso ocorre na Ford, onde a receita, de R$ 7 bilhões em seis meses, sobe 5,4%, na contramão do recuo de 7,5% das vendas.
O aumento do tíquete médio – o preço pago por cada veículo – já havia compensado a acomodação do consumo em 2013, quando o faturamento das montadoras, ainda nas contas da Oikonomia, teve alta de R$ 3,3 bilhões, para R$ 161,3 bilhões, apesar da queda de 1,6% dos emplacamentos.
Por dados como esses, as empresas vêm sendo questionadas por que os preços dos automóveis brasileiros, tidos como os mais caros do mundo, não caem mais para atrair o consumidor de volta às lojas – ainda que muitas concessionárias estejam concedendo descontos de até 10% para fechar vendas. A resposta mais frequente é que, com o acirramento da concorrência, a indústria está trabalhando com margens de rentabilidade cada vez mais apertadas, sem repassar toda a escalada nos custos de produção. Dessa forma, dizem os fabricantes, o avanço nos preços dos automóveis tem sido bem abaixo da inflação.
Quase sempre que o tema volta à tona em entrevistas coletivas à imprensa, dirigentes da Anfavea, a entidade das montadoras instaladas no país, apresentam um gráfico já conhecido como “boca de jacaré”, no qual a curva dos preços dos veículos, inclinada para baixo, se distancia da trajetória ascendente da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Segundo a agência Autoinforme, que monitora a inflação nas concessionárias, os preços dos carros chegaram a subir 4% no primeiro trimestre, como resultado, principalmente, da retirada de parte dos descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), acompanhada pelo repasse dos custos de equipamentos de segurança (airbags e freios ABS) que se tornaram obrigatórios em todos automóveis.
Mas com o aprofundamento na queda da demanda, os preços voltaram a cair nos meses de abril e maio. A pesquisa da Autoinforme mostra que o reajuste nos preços dos carros zero quilômetro cedeu para 3,2% em valores acumulados desde janeiro.
Para Raphael Galante, consultor da Oikonomia, os números sugerem que, por mais que o mercado esteja em baixa, as montadoras estão resistentes em sacrificar ainda mais suas margens. “Algumas marcas subiram preços para recompor margens. Quem mais sofre nessa história é a concessionária, que precisa negociar o preço diretamente com o cliente”, avalia o especialista.
Mas a inflação, por si só, é insuficiente para explicar por que paga-se mais pelo carro. Outra parte da explicação vem da mudança no padrão de consumo, já que, com a ascensão da renda, o brasileiro passou a comprar automóveis mais equipados, mais potentes e, portanto, mais caros.
Por outro lado, segmentos mais populares, que poderiam trazer para baixo o tíquete médio, perderam espaço com a seletividade dos bancos nas concessões de crédito. Além disso, dois dos modelos mais baratos do país – o Uno Mille e o Gol G4 – saíram de linha devido à falta de compatibilidade com os dispositivos de segurança que se tornaram obrigatórios em janeiro.
Assim, o carro que se convencionou chamar de popular, aquele equipado com motor 1.0, responde hoje por apenas 31% das vendas totais. Dois em cada três automóveis ou utilitários leves vendidos no país já estão acima dessa motorização.
Tal transição tem provocado alterações no ranking dos modelos mais vendidos no Brasil. O Uno, que antes ocupava a segunda colocação nessa lista, agora perde não apenas para o líder Gol, mas também para o Palio, a picape Strada, o hatch Onix e o Fiesta.