Depois da “desmoralização” pela qual passou o movimento sindical durante os anos 1990, os sindicalistas atravessam momento inédito, porque se tornaram atores da política. A análise é de Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para quem o sindicalismo vai na contramão do partidarismo. “Enquanto os partidos se enfraquecem, perdendo militantes e filiados, os sindicatos ganham caráter nacional”.
Professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Pochmann conversou com o Valor antes de embarcar a Venezuela, onde pretende inaugurar escritório do Ipea.
Valor: O que representou a Conclat original, de 1981?
Marcio Pochmann: A Conclat original foi a marca da união do movimento sindical na transição da ditadura, ainda que, em seguida, a união não tenha se realizado. A ideia de constituir uma central única dos trabalhadores, a CUT, não se realizou.
Valor: Como se comportou o movimento sindical de lá para cá?
Pochmann: Vivemos um período de auge, entre o fim dos anos 1970 e o fim dos anos 1980. Houve a ascensão de um sindicalismo forte, quando a cada três trabalhadores, um era sindicalizado. A partir dos anos 1990, o movimento entra em declínio, ingressando num período de baixo crescimento econômico, níveis elevados de desemprego e conjuntura desfavorável, que desmoralizava o sindicalismo. A partir da atual década, no entanto, a sindicalização começa a avançar no meio rural e também entre os jovens. A taxa de sindicalização entre os trabalhadores está próxima de 20%, superior ao vale de 15% dos anos 1990, mas ainda abaixo dos 30% que alcançamos na década de 80.
Valor: Houve mudança de perfil entre os sindicalistas?
Pochmann: Há uma característica distinta sim. O sindicalismo hoje não é mais tão assentado em greves, como era há 20 ou 25 anos. Em 1989, chegamos a ter mais de quatro mil greves realizadas no Brasil. O sindicalismo hoje converge em grandes temas, como o fortalecimento do salário mínimo, do reajuste na tabela do Imposto de Renda, na atuação mais ativa na ampliação dos benefícios da Previdência, o que aproximou os sindicatos dos aposentados.
Valor: O presidente Lula foi sensível aos sindicatos, não?
Pochmann: Do ponto de vista histórico, o presidente Lula fez mais pelos sindicatos quando presidente da República que como líder sindical. Os últimos seis anos foram de grande convergência entre as cúpulas do movimento sindical. O momento que o sindicalismo vive é inédito em período democrático.
Valor: O fato de cinco das seis centrais que passaram a receber repasses do imposto sindical apoiarem o governo e sua candidata é consequência?
Pochmann: A capacidade de adesão que o presidente Lula demonstrou na composição de seu governo, sobretudo de segundo mandato, foi incrível. A crise vivida pelo governo em 2005 deu uma nova orientação, que passou a ter uma atuação mais compartilhada com os sindicatos, não de cooptação. Não se tratava só de atender a pauta sindical, mas de abrir espaço na constituição de políticas públicas. Antes, no começo do governo, Lula falava que “estava trabalhando por vocês”. Agora, os sindicatos se tornaram atores.
Valor: O Estado mudou sua abordagem com os sindicalistas?
Pochmann: Com certeza. Não temos mais política anti-trabalho, antissindicato, como tivemos na forma de encarar greves no setor público. O tratamento que o Estado deu às greves nos Correios e na Petrobras, nos anos 1990, foram simbólicas sobre o papel que o Estado tinha. Agora não. Ao reconhecimento político, que já existia, das centrais, se somou o reconhecimento institucional, na medida que as centrais recebem repasses de imposto público. O sindicalismo vai na contramão do partidarismo.
Valor: Como assim?
Pochmann: Há uma trajetória distinta quando se compara partidos e sindicatos. Os sindicatos ganham força e representação, porque não estão mais prisioneiros da disputa entre capital e trabalho, requisitando reajustes apenas. Os sindicatos e o sindicalismo, de maneira geral, ganha caráter nacional. Enquanto isso, há um enfraquecimento dos partidos, que perdem militantes e filiados. (João Villaverde)