As provas de uma teoria (II)

Valor Econômico

Por Luiz Carlos Mendonça de Barros

Em agosto passado tratei nesta coluna dos efeitos que a formalização do mercado de trabalho está tendo sobre a sociedade brasileira. Para tanto fiz referência às conclusões de pesquisas realizadas pelo Data Popular sobre o comportamento da chamada nova classe média brasileira. Dizia eu que eram as primeiras provas concretas de uma tese que venho desenvolvendo desde 2005 sobre o fenômeno da migração de milhões de brasileiros das classes D e E de renda para a classe C.

Pois esta semana, outro instituto de renome chamou a atenção para outra transformação – também associada a esta migração de classes econômicas – que vem ocorrendo. Desta vez as mudanças estão relacionadas aos valores de natureza política que começam a moldar parte importante da sociedade. O Data Folha aproveitou uma carona na sua pesquisa eleitoral realizada entre 1 e 3 de setembro passado e pesquisou a posição dos entrevistados em relação a 16 temas, divididos entre questões econômicas e de comportamento.

Em função das respostas obtidas catalogou os brasileiros em cinco grupos: direita, centro direita, centro, centro esquerda e esquerda. Agrupou as respostas obtidas em blocos homogêneos e mediu em termos percentuais os cinco grupos mencionados acima. Feito isto comparou os resultados obtidos com os de uma pesquisa realizada em novembro de 2013. Os resultados estão na tabela abaixo.

Novo cidadão está atento aos itens principais de seus gastos familiares e os acompanha com maior rigor e escrutínio

Embora ainda seja cedo para conclusões definitivas, as informações dessas duas pesquisas caminham na direção de minha leitura: ao passar da informalidade econômica para a formalidade, o comportamento político do brasileiro vai mudar e mudar muito.

Para aceitar minha tese é preciso entender o que acontece com a vida das pessoas quando passam a ter um contrato de trabalho formal na legislação brasileira atual. Em primeiro lugar, passam a ter garantida uma correção anual de seus salários em função da inflação passada, ganhando ainda um aumento adicional que depende da saúde da economia. Com o nível de inflação de 5,5% a correção anual não provoca grandes perdas efetivas de poder aquisitivo. Assim, a menos que perca seu emprego por uma crise na economia, o cidadão pode projetar no futuro seu fluxo de renda. E, nessas condições, antecipar valores futuros a serem pagos com prestações mensais junto ao sistema financeiro.

Outras características do mercado formal do trabalho – e que tem efeitos importantes sobre o comportamento deste novo contingente de brasileiros – são: o FGTS e o recolhimento do imposto de renda e outras contribuições sociais sobre os salários. O FGTS ensina o trabalhador a poupar parte de seus ganhos e o IR e outras taxas mostram que os serviços públicos não são gratuitos e que o governo cobra por eles. Fica mais fácil então comparar a face privada de suas vidas com a proporcionada pelo governo via serviços públicos.

Outra novidade é que, pela primeira vez, o cidadão está atento aos itens principais de seus gastos familiares em função dos compromissos pesados com o pagamento de dívidas pessoais. Em função disto, os gastos com água, saneamento e outros serviços públicos estão sendo acompanhados com maior rigor e escrutínio.

Se estiver certo nas minhas conclusões, a influência da conjuntura econômica nas expectativas destes novos cidadãos tenderá a crescer de forma rápida nos próximos anos. O calcanhar de Aquiles deste grupo está na manutenção do seu emprego, pois o seu bem estar futuro está alicerçado na preservação de sua renda familiar via salários e não nas várias Bolsas proporcionadas pelo governo.

E aqui vale uma observação técnica relevante: a variável importante é o estoque de emprego existente e não seu fluxo futuro. Este afeta apenas os novos entrantes no mercado de trabalho e, como a parcela de brasileiros formalizados está estabilizada, seu efeito no curto prazo é pequeno. Essa é a situação atual que estamos vivendo e que pode explicar a resistência do apoio ao governo Dilma mesmo em uma situação de deterioração das condições de criação de novos postos de trabalho.

E aqui trago ao leitor outra consideração importante em relação às mudanças de natureza política que devem acontecer nos próximos anos. A Constituição brasileira atual, sempre citada por muitos analistas como um dos fatores limitantes de nosso crescimento econômico, precisa ser entendida como resultado do baixíssimo nível de formalização econômica que existia quando de sua aprovação em 1988. Naqueles tempos terríveis apenas um terço dos brasileiros tinha o benefício da formalidade econômica. Os dois terços que estavam fora da economia formal dependiam apenas do governo para ancorar de alguma forma seu futuro. E a Constituição aprovada por seus representantes políticos respondeu a estes anseios, como sempre acontece em uma democracia como a nossa.

Talvez nos próximos anos, com o aprofundamento das mudanças que estão em curso na sociedade, seja possível aprovarmos uma Constituição que tenha um equilíbrio maior entre as funções do Estado brasileiro e seus recursos fiscais.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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