Assim, texto que cria comissão de investigação não citaria militares nem guerrilha
Eliane Cantanhêde – Brasília
Sugerida por Nelson Jobim, mudança de trecho do plano de direitos humanos pode ser aceita por Vannuchi, que ameaçou pedir demissão O governo articula uma solução de meio termo para a questão nevrálgica do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos: em vez de acrescentar ao texto do programa a investigação da esquerda armada durante a ditadura militar (1964-1985), como querem as Forças Armadas, seria suprimida a referência à “repressão política” na diretriz 23, que cria a comissão da verdade.
Ou seja, a questão seria resolvida semanticamente, sem especificar a apuração de excessos de nenhum dos dois lados. O texto passaria a prever a apuração da violação aos direitos humanos durante a ditadura, genericamente, sem especificar de quem e de que lado.
Essa proposta está sendo colocada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e poderá ser aceita pelo ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que aposta numa “solução de meio termo”.
Jobim não aceita uma comissão unilateral, focada apenas na apuração das violações praticadas pelos militares. E Vannuchi não admite a investigação da esquerda armada. Sem referência aos dois lados, a questão poderá ser resolvida pelo Congresso Nacional.
O plano foi formalizado como decreto presidencial, prevendo a formação de um grupo de trabalho do Executivo para elaborar um projeto de lei ao Congresso, criando a comissão da verdade. Com o decreto revisado, se houver o acordo, o projeto ficaria mais flexível para o debate parlamentar.
O presidente Lula volta de férias e começa o ano de trabalho hoje entre esses dois fogos: o de um amplo setor da sociedade, liderado por Jobim, que quer a revisão do plano, e o de juristas e familiares de desaparecidos políticos, que respaldam Vannuchi e não aceitam alterações significativas.
No confronto, os dois lados ameaçam com pedidos de demissão justamente num ano de campanha eleitoral, em que Lula pretende somar apoios para a sua candidata ao Planalto, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Ex-militante da esquerda armada, torturada e presa durante a ditadura militar, ela é parte diretamente interessada no plano.
Vannuchi não abre mão de exigir “uma narrativa sincera, honesta e humilde do Estado brasileiro sobre as circunstâncias dos desaparecimentos e o local onde os corpos estão”.
“O país não tem o direito de saber toda a história que envolve Rubens Paiva, Vladimir Herzog, Honestino Guimarães? Sem isso, como é possível virar a página? Eles, aliás, foram torturados, mortos e nem sequer eram da esquerda armada.”
O ministro de Direitos Humanos tem respaldo, por exemplo, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do “Manifesto Contra a Anistia aos Torturadores”, reunindo mais de 10 mil assinaturas em diferentes setores da sociedade civil em todo o país.
O ponto central do manifesto, porém, é uma questão que, segundo tanto Jobim quanto Vannuchi, não está colocada no plano: a revisão da Lei da Anistia, de 1979, que valeu para os dois lados, tanto para os militares e civis responsáveis pela repressão quanto para os militantes de esquerda.
Na versão dos dois ministros, o item 2 da diretriz 23 já faz referência à lei (citada pelo número, não pelo nome), o que caracteriza o reconhecimento de sua legitimidade.
Além da polêmica com a área militar, o plano também provoca críticas de outros setores. A Igreja Católica reagiu contra a descriminalização do aborto. O setor ruralista, apoiado pelo ministro Reinhold Stephanes (Agricultura), considera o plano “preconceituoso contra o agronegócio”. As entidades de imprensa acusam um ataque à liberdade de expressão.
Vannuchi lamentou a posição crítica do PSDB e do DEM, alegando que o atual plano segue e aprofunda os dois primeiros planos, ambos elaborados no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1999 e 1999-2003).