Estatuto exclui cota e incentivo a quem contratar negros

Proposta que garantia incentivo fiscal foi retirada ontem do texto; estatuto depende da sanção de Lula

Para ministro da Igualdade Racial, texto servirá de base para que o Executivo implemente medidas afirmativas

Comissão de Constituição e Justiça, que aprovou o estatuto

JOHANNA NUBLAT e NOELI MENEZES
DE BRASÍLIA

Sete anos após tramitar no Congresso Nacional, o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado ontem pelo Senado com um texto esvaziado nos pontos mais polêmicos. O texto segue agora para sanção do presidente Lula.
Até a referência genérica a cotas na educação foi retirada do texto, que agora fala só em ações afirmativas a serem promovidas pelo setor público e incentivadas no privado.
O texto traz uma série de garantias à igualdade racial em setores variados. Simplifica o crédito agrícola para negros e garante a viabilidade de acesso a financiamentos públicos e privados.
Ela assegura, ainda, medidas contra a discriminação racial: a previsão de ouvidorias da União para receber denúncias e a possibilidade de o juiz suspender páginas na internet que difundam o preconceito racial.
Mas os pontos que traziam alterações práticas e imediatas foram rejeitados ao longo dos sete anos de tramitação da proposta no Congresso.
Em 2009, ainda na Câmara, a proposta perdeu o artigo que criava cota de 20% de negros na programação diária das TVs e peças publicitárias.
Ontem, o texto foi ainda mais desidratado pelo relator Demóstenes Torres (DEM-GO), perdendo a previsão de incentivos fiscais para empresas que contratassem um determinado percentual de negros e a cota para candidaturas nos partidos políticos.
Para o ministro Eloi Araújo (Igualdade Racial), o projeto servirá de base para que o Executivo crie medidas afirmativas e para respaldar a defesa de ações que tramitam hoje no Supremo Tribunal Federal -de inconstitucionalidade das cotas no ensino superior e da demarcação de terras dos quilombolas.
Uma das ações do governo federal, diz, poderá ser a criação de mecanismos que ampliem a presença de negros na administração pública.
O ex-ministro da pasta, deputado Edson Santos (PT-RJ), disse que, agora, o Executivo poderá regulamentar políticas de cotas por decreto.

TEXTO POSSÍVEL
Para o autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), o texto aprovado não é ideal, mas “um avanço e tem toda a simbologia para que na sociedade brasileira ninguém mais seja discriminado”.
Alvo de críticas de parte do movimento negro por ter esvaziado a proposta, Demóstenes disse que preferia ter deixado a votação para depois das eleições, mas que houve pressão de Paim e do governo para aprovação.
“Por mais de dez anos, lutamos pela aprovação de um estatuto que recuperasse nossa a dignidade do negro. Demóstenes destrói toda a possibilidade da política de ação afirmativa, das cotas, da inserção negra no mercado de trabalho”, diz Cleide Hilda de Lima Souza, da Coordenação Nacional de Entidades Negras.