Por Vanessa Jurgenfeld e Rodrigo Polito | De São Paulo e do Rio
O aumento dos custos de energia e a crise hídrica, com também elevação das tarifas de água em algumas cidades do país, já ampliaram as dificuldades de vários segmentos industriais neste ano e o cenário pode piorar em 2015. Há empresas que estão com “custos proibitivos”, segundo relatos de representantes industriais.
A pressão sobre insumos essenciais vem ao mesmo tempo em que há insegurança sobre o fornecimento de água em Estados como São Paulo e dúvidas sobre um racionamento de energia no país, ainda que ambos sejam negados pelo governo paulista e pelo governo federal, respectivamente.
Os problemas recaem principalmente sobre setores que possuem atividades eletrointensivas e empresas que têm unidades produtivas em São Paulo. Em alguns municípios do interior do Estado, há empresas que já precisam fazer reposição de água a partir de caminhões-pipa, devido ao racionamento em alguns municípios ou ao baixo nível dos rios de onde elas captam diretamente a água para o seu processo produtivo.
“As empresas estão se adaptando à situação e não há o que fazer porque não tem água [suficiente]. Hoje em dia, não é mais questão de racionar água para não faltar, mas de dividir o que se tem”, disse José Nunes, diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), em Campinas.
Segundo Nunes, há unidades que pararam no interior de São Paulo por algumas horas por falta de água. Ele explica que as empresas do setor de bebidas são as mais afetadas, mas não só elas. Cita também outros setores, que utilizam muita água no processo produtivo, como químico, farmacêutico, petroquímico e petróleo e gás.
Na Termotécnica, empresa que fabrica embalagens para o setor industrial, o “custo de energia aumentou absurdamente” e a água está acompanhando a mesma trajetória, segundo relato do presidente da empresa, Albano Schmidt. “Se você não tem água, tem que contratar caminhão, tem que buscar água a 100 km de distância da fábrica”, explicou, sem detalhar em quanto os custos aumentaram.
A Termotécnica possui oito fábricas, com unidades em São Paulo, no Sul e no Nordeste, sendo a matriz em Joinville (SC). “Em São Paulo, estamos bem preocupados, há uma unidade em Indaiatuba e outra em Rio Claro”, afirmou. “Tivemos que contratar dois caminhões-pipa recentemente e o preço é bem alto”, disse. “Os custos devem aumentar para todos, com redução das margens. E, se isso ocorrer, como vou remunerar o investimento?”, questionou, sobre as dificuldades adicionais que o quadro traz.
“Hoje, a energia no mercado livre está em preços praticamente proibitivos para a produção. Ou a empresa está bem protegida num contrato de vários anos, ou ela realmente vai encontrar sérias dificuldades para manter a produção, mesmo que tenha pedidos e mesmo que tenha mercados”, destaca Renato Jardim, gerente de mercado internacional e economia da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Jardim diz que essa é uma questão que varia muito de empresa para empresa, porque existem diferentes regimes de contrato de energia, mas dentro do têxtil destaca que, com a energia a esse nível, a fiação e a tecelagem “são inviáveis”.
Os problemas com a energia não atingem somente as têxteis. Em um exemplo da maior pressão de custos, o Valor apurou que uma empresa do setor de vidro, que teve o contrato de fornecimento de energia encerrado no fim deste ano, realizou um pregão para compra de energia, a partir de janeiro de 2015, por um período de aproximadamente três anos. Ela pagava no contrato anterior cerca de R$ 110 por megawatt-hora (MWh). No pregão, os preços que ela conseguiu ficaram entre R$ 300/MWh e R$ 400/MWh.
Neste ano, com o valor recorde do megawatt-hora no mercado de curto prazo, essa mesma empresa preferiu interromper parte da produção e vender sobras da energia contratada. Reduzir o consumo e comercializar esse excedente no mercado spot, onde o preço ficou no limite de R$ 822 durante boa parte do ano, tornou-se mais lucrativo do que focar esforços no avanço da sua linha de produção. Isso significa na prática que o balanço de 2014 dessa empresa deve “bombar”. Mas o balanço de 2015, por outro lado, provavelmente deve sofrer com a alta do preço da energia.
O caso dessa empresa é um exemplo típico do que vem ocorrendo no mercado livre de energia, segundo o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores livres (Abrace), Paulo Pedrosa. Segundo ele, de forma geral, as indústrias estão trocando cerca de 15% dos contratos que vencem no fim deste ano. Esses contratos tinham valor da ordem de R$ 130/MWh e estão sendo renegociados a cerca de R$ 400/MWh. “Está havendo um custo elevado para os nossos associados”, disse.
Em um dos setores mais eletrointensivos do país, o ramo de aço, a questão energética é “uma preocupação grande”. “Estamos vendo reajustes de dois dígitos, de mais de 20%, no caso das concessionárias de distribuição de energia”, disse o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil (IABr), Marco Polo Lopes. “E quando o governo publicou o pacote de redução das tarifas, o mercado livre não foi contemplado. Praticamente não tivemos redução de preço de energia.”
Na avaliação de executivos, a redução do teto regulatório do preço spot de energia para 2015 – de R$ 822,83 o megawatt-hora (MWh) para R$ 388,04/MWh – determinada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) trará leve alívio para a indústria de forma geral, mas não terá um efeito significativo. Isso porque as unidades eletrointensivas têm cerca de 95% do consumo negociado em contratos de longo prazo, restando uma leve parcela para ser comercializada no mercado spot (de curto prazo).
“Achávamos que a crise de energia seria uma coisa conjuntural, que durasse um ano. Mas está durando muito tempo”, reforça o coro de preocupação Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro). Com relação aos custos de energia, ele diz que “é como se em 2014 fizéssemos uma roleta russa com uma bala no tambor. Em 2015, faremos a roleta russa com duas balas no tambor. Será que em 2016 faremos a roleta russa com três balas no tambor?”, questionou.
Nunes, da Ciesp, ressalta que diante desse quadro “o nível de confiança do empresário brasileiro nunca esteve tão baixo”. “Ninguém pensa em investir. 2015 será um ano difícil, de ajustes”, disse.
Em relação à água, a partir de abril de 2015, quando o período de seca anual começar, a situação “vai apertar” ainda mais, porque “estamos iniciando o período das chuvas agora com o cheque especial vencido”, disse Nunes, em analogia ao uso do volume morto do reservatório do sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo e parte do interior do país.
“Existe o risco de no próximo período seco não ter água para o interior de SP e para a maior parte da capital paulista”, destacou, citando que projetos de infraestrutura que estão agora sendo feitos “a toque de caixa” mesmo assim vão demorar a sair do papel.
Recentemente, a Sabesp foi autorizada a um reajuste de 6,49% nas tarifas. A Sanasa, em Campinas, pretende reajustar tarifas em fevereiro de 2015.