Eventos extremos aumentarão ondas de calor e frio no planeta

                                                      O Globo

                                                   Cantareira

A nevasca que paralisou esta semana a Costa Leste dos EUA e o calor e a estiagem que assolam o Sudeste brasileiro há meses são dois lados de uma mesma moeda. Os eventos extremos climáticos, que vão se multiplicar nos próximas décadas, estão ligados à concentração de gases de efeito estufa na atmosfera — hoje, este índice é o maior dos últimos 3 milhões de anos, segundo o Observatório do Clima, rede de ONGs brasileiras que atuam no setor. Na época, no Período Piloceno, nossa espécie ainda não existia.

As emissões de CO2 alçaram 2014 ao posto de ano mais quente desde o início dos registros, em 1880. O calor transformou o planeta em um palco de recordes. Na África, por exemplo, ondas de calor provocaram a perda de metade da safra de diversas culturas agrícolas na África do Sul. E a perspectiva de temperaturas mais elevadas causou alarde esta semana na Austrália, quando o serviço meteorológico nacional divulgou que os termômetros locais podem subir até 5 graus Celsius neste século, mais do que a média do planeta, de até 4 graus Celsius.

Ironicamente, o calor também estaria por trás da nevasca nos EUA. Para Judah Cohen, diretor de Previsão Sazonal da AER, uma empresa americana de pesquisas ambientais, o prolongamento do verão no Ártico aumentou o derretimento de geleiras, jogando umidade na atmosfera. É ela que, agora, volta em forma de nevascas.

— Todo o planeta está se aquecendo. A exceção é o Hemisfério Norte continental, e só no inverno — explica. — Esse esfriamento na estação se deve a uma tendência negativa na oscilação do Ártico, como chamamos o modelo climático que domina a região. Quando esse fenômeno é negativo, o Leste dos EUA, a Europa e a Ásia normalmente têm invernos mais frios. Quando é positivo, a estação é mais quente que a média. A Terra busca equilíbrio.

Mas está difícil cumprir esse esforço. O economista e ecologista Sérgio Besserman lembra que a temperatura do planeta já aumentou 0,8 grau Celsius desde a Revolução Industrial.

— O aquecimento global causa mudanças na corrente marinha e nos padrões atmosféricos — destaca. — Por mais que alguns fenômenos ainda precisem ser estudados, como a zona de alta de pressão que impede a chegada de chuvas ao Sudeste brasileiro, é inegável que testemunhamos um aumento dos eventos extremos.

Vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil, Rodrigo Medeiros ressalta que a convivência entre a neve no Hemisfério Norte e o calor no Sul do planeta já era prevista pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). De acordo com o órgão da ONU, o mundo vai registrar cada vez mais dias muito frios e outros de calor recorde. Da mesma forma, haverá um revezamento frequente entre grandes tempestades e períodos de longa estiagem.

— O que chama atenção na loucura do clima é que, ano após ano, estamos intensificando esses extremos. Fenômenos que eram esporádicos agora são moda — assinala.

O Brasil é repleto de exemplos. Segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, o país registrou 8.671 catástrofes ambientais na década de 1990. Nos dez anos seguintes, foram 23.238 eventos.

Entre as catástrofes naturais estão um furacão (o Catarina, em 2004), duas secas sem precedentes na Amazônia (em 2005 e 2010) e, em 2013, as maiores nevadas no Sul em décadas, atingindo mais de 80 cidades, causando estragos e fechando rodovias.

— As mudanças climáticas levaram a um acúmulo de energia na atmosfera — descreve Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. — As temperaturas elevadas do ano passado são um exemplo de como estamos antecipando a era dos extremos. Teremos cada vez mais ondas de calor e de frio.

A interferência humana nas mudanças climáticas foi acirrada nos últimos 50 anos, quando a atividade industrial foi estendida a todo o planeta. Os cientistas ainda tentam compreender uma série de eventos que provocam grandes prejuízos econômicos — entre eles, os detalhes na formação da nevasca americana. Ao mesmo tempo, eles condenam a inércia dos governantes.

CATÁSTROFES LEVAM A MIGRAÇÕES

No início do ano, o Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos reiterou um pedido para que os tomadores de decisão criem planos voltados a migrações causadas pelas mudanças climáticas. Estima-se que, em 2013, 22 milhões de pessoas deixaram suas casas por causa de eventos extremos, como o furacão Haiyan, nas Filipinas.

— Mesmo que não houvesse ação humana, não pode haver inação política — condena Rittl. — A crise da falta d’água no Sudeste, por exemplo, tem componentes como a ocupação desordenada do solo, o assoreamento de bacias hidrográficas e estruturas incapazes de armazenar um volume maior de água.