Marcada por cortes de produção, afastamento de operários e demissões nas fábricas, a crise atravessada pela indústria automobilística nacional também está reduzindo a pó o retorno financeiro obtido pelas multinacionais do setor com suas filiais no Brasil. Após simplesmente zerar em março, a transferência de lucro de montadoras e grandes fornecedores de autopeças às matrizes no exterior somou US$ 12 milhões no mês passado, ou apenas um décimo dos US$ 115 milhões enviados em igual período de 2014.
A cifra leva para US$ 86 milhões o total de remessas feitas por essas empresas desde o início do ano, 78,3% menos do que o montante de 2014, quando essas operações já tinham marcado o pior volume em nove anos. Os números fazem parte do balanço de pagamentos divulgado ontem pelo Banco Central (BC) e trazem mais um indicador do estrago produzido pela recessão do setor na rentabilidade de suas companhias.
Esse impacto já tinha sido, em parte, retratado nas demonstrações financeiras anuais publicadas recentemente por Renault e PSA Peugeot Citroën no Brasil. Enquanto a Renault terminou 2014 amargando perdas de R$ 270 milhões, revertendo o lucro de R$ 232,2 milhões do exercício anterior, a PSA registrou, em igual período, o terceiro ano seguido de prejuízo no país: R$ 698,7 milhões.
Em tempos de bonança, nenhum ramo da indústria brasileira superava o setor automotivo no envio de lucro ao exterior. Só em 2008, quando os bons resultados no Brasil ajudavam a irrigar o caixa das matrizes em crise nos Estados Unidos e na Europa, as remessas passaram de US$ 5,6 bilhões, um recorde.
Hoje, contudo, as montadoras, somadas às multinacionais produtoras de componentes automotivos, ficam atrás de outras sete atividades na lista dos setores industriais que mais rendem lucro a controladores sediados fora do Brasil. No primeiro quadrimestre, os fabricantes de bebidas, produtos químicos, tabaco, alimentos e máquinas, assim como as indústrias farmacêutica e metalúrgica, superaram a cadeia automotiva nessas remessas.
Segundo Stephan Keese, sócio da consultoria Roland Berger, especializada em indústria automobilística, os fabricantes de veículos estão tendo que preservar o caixa para fazer frente não apenas aos investimentos que estavam em curso, mas também aos custos de reestruturação provocados pela própria crise. Desde novembro de 2013, quando deram início ao ciclo de ajuste de mão de obra, as montadoras já eliminaram 20 mil vagas de trabalho, o que trouxe uma pesada conta de indenizações trabalhistas. A Renault, por exemplo, contabilizou em 2014 despesas extras de R$ 60,5 milhões com incentivos a demissões voluntárias em sua fábrica no Paraná.
Dessa forma, sobra menos recursos para remunerar investidores. “O foco nesse momento é cortar as remessas o máximo possivel”, diz Keese. Após estimar em US$ 2 bilhões o prejuízo da indústria de veículos no ano passado, o consultor não se arrisca a fazer projeções ao resultado de 2015, mas adianta que as perdas tendem a ficar “bem acima disso”.
Na tentativa de defender margens de rentabilidade, as marcas – parcial ou integralmente – repassaram aos preços dos automóveis os aumentos de insumos e a retirada dos descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A redução na demanda, todavia, está sendo brutal, resultando num alto custo de ociosidade nas linhas de produção.
Além das menores remessas, o balanço do BC mostra forte retração no montante que chega ao Brasil como investimentos estrangeiros na indústria de veículos. O fluxo de capital internacional ao setor caiu 38,1% no primeiro quadrimestre, somando US$ 570 milhões no período. Só em abril, a queda foi ainda mais drástica: 79,2% na comparação anual, para US$ 135 milhões.
Mesmo assim, o negócio segue como o que mais recebe aportes estrangeiros entre os setores industriais, num reflexo da chegada de montadoras após o regime automotivo fechar portas para a importação de carros. No ano passado, os investimentos externos no setor cresceram 56,1%, num total de US$ 2,9 bilhões, a maior cifra desde que o BC começou a divulgar o dado, em 2001.