João, 9, trabalha oito horas por dia em um lava-rápido de São Paulo. Ganha R$ 5 por carro dos R$ 40 que são pagos pelo serviço.
José, 15, chega às 7h a uma praia de Guarujá e só sai ao entardecer, após servir clientes da barraca, tarefa pela qual recebe R$ 50 e gorjetas.
Maria, 16, trabalha até a meia-noite em um bufê. Cuida de crianças e ganha um cachorro-quente e sobras de salgadinho como refeição.
Os nomes são fictícios, mas as histórias retratam a realidade de crianças e adolescentes que trabalham ilegalmente no Estado de São Paulo. Se na zona rural a lavoura ainda atrai o trabalho infantil, nas cidades ele está em lava-rápidos, oficinas, bufês infantis e nas ruas –caso de entregadores de panfletos e vendedores ambulantes.
Apesar de o IBGE registrar queda no trabalho infantil, em SP o número de flagrantes de ilegais é o maior desde 2009, segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho a pedido da Folha.
A Procuradoria fez 1.495 autuações por flagrantes de trabalho infantil no Estado em 2014 –média de quatro por dia. Cinco anos antes, foram 591 (veja quadro).
O aumento de denúncias e da fiscalização e a expansão da informalidade, que atrai mão de obra infantil, explicam os números, diz o órgão.
IRREGULARIDADES
O trabalho infantil é autorizado para jovens de 14 e 15 anos como aprendiz, por até seis horas diárias, desde que não afete o horário escolar e seja supervisionado. Aos 16, o garoto deve ser registrado.
Para qualquer menor de 18 anos está proibido o trabalho ao ar livre, perigoso, insalubre, entre as 22h e as 5h, em contato com bebida alcoólica ou produtos químicos.
Assim como em outras atividades, lava-rápidos e oficinas recrutam adolescentes porque custam menos.
“Ouvimos, nas inspeções, que adultos não querem trabalhar pela baixa remuneração. Aí está o viés da exploração da mão de obra infantil”, diz a procuradora do trabalho Luana Duarte Vieira.
A maioria dos patrões são pequenas empresas. Mas, segundo a procuradora Ana Elisa Segatti, já foram enquadradas construtoras, por exemplo, por serem corresponsáveis pela panfletagem de lançamentos imobiliários.
Bufês infantis também exploram essa mão de obra irregularmente. Em uma das denúncias à Procuradoria, neste ano, adolescentes atuavam como monitores até tarde e precisavam lavar o salão inteiro, incluindo banheiros. Um menor de idade cuidava de uma fritadeira de óleo.
Na capital, uma preocupação recente é com os artistas mirins. Segundo Segatti, atores, “MCs” do funk e minimodelos trabalham após as 22h, prejudicando os estudos.
Mesmo com maior rigor na fiscalização, no campo ainda se veem irregularidades. Na região de Marília, quatro adolescentes foram flagrados no cultivo de mandioca em maio.
CANSAÇO
Além da informalidade, o serviço em ambiente familiar também desafia os fiscais.
“Não se pensa nas consequências. Ouvi garotos de feiras que acordavam às 4h para trabalhar e estudavam à noite, mas admitiram que já não iam à escola pelo cansaço”, diz a auditora fiscal do trabalho Carolina Almeida.
Segundo o IBGE, trabalham no país 3,188 milhões de crianças e adolescentes, ou 7,5% dos menores de 18 anos. Em 2002, eram 12,6%.