Hoje, Dia Internacional dos Direitos Humanos – Declaração Universal não impediu décadas de violações

Desrespeito aos termos do documento cresceu nos últimos anos

direitos HuQuase sete décadas se passaram desde o 10 de dezembro de 1948, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi apresentada em Paris. Ainda assim, os direitos universais expressados no documento continuam a ser violados todos os dias nos mais diferentes cantos do planeta.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), cerca de 12 milhões de pessoas são consideradas apátridas, o que viola o artigo 15 da Declaração. Já o artigo seguinte, que determina que casamentos só devem ser realizados com consentimento de ambos os cônjuges, é violado em larga escala em nações como o Afeganistão, onde — de acordo com levantamento de 2008 da ONU — quase 80% das uniões são realizadas sob coerção.

Aumento no risco extremo
Outros artigos como o 2º (que afirma que todas as pessoas têm os direitos e as liberdades expressas na Declaração, sem qualquer distinção), o 9º (“nenhuma pessoa pode ser presa, detida ou exilada de maneira arbitrária”), o 12º (que garante o direito à privacidade), o 18º (que garante direito à liberdade de pensamento, consciência e religião) e o 19º (que assegura o direito à liberdade de expressão e opinião) estão entre os mais frequentemente violados em todo o mundo.

O mapa dos Direitos Humanos elaborado pela ONG Human Rights Watch aponta para um aumento de 70% no chamado “risco extremo” aos direitos humanos desde 2008, ano da primeira publicação do índice. Entre os principais elementos do aumento estão violações dos artigos 4 e 5, que proíbem a escravidão e a tortura, práticas comuns na Síria desde a ascensão do Estado Islâmico.

Escritora relembra cerimônia de leitura da Declaração Universal dos DH pelo pai em 1948. ‘Uma utopia que muitos lutam para ser real’, afirma Laura Sandroni

A paradoxal miudeza do jornalista Austregésilo de Athayde em momento grandioso naquele 10 de dezembro de 1948 é lembrado por sua filha, a escritora Laura Sandroni. A então adolescente de 14 anos assistiu, das galerias do Palais de Chaillot, em Paris, ao seu pai ler, em francês, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, diante da multidão, num momento de otimismo em meio à comoção do período pós-guerra. “Todos ficaram muito emocionados. Perceberam a importância que tinha essa declaração para o mundo”, recorda. Exatos 67 anos depois, ela admite que a declaração é uma utopia. Mas, como o pai, morto em 1993, cuja atuação na elaboração do documento foi destacada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, é otimista. “O importante é que é uma utopia que muita gente luta para que se torne uma realidade”, avalia.

A senhora era uma adolescente de 14 anos quando a declaração foi redigida e adotada. O que lembra da conferência?
O meu pai foi convidado para participar da III Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, e teve a gentileza de me levar para passar três meses lá com ele e a minha mãe (Maria José de Queiroz). Viajamos por cerca de 20 dias num navio inglês chamado Andes e passamos três dias no hotel Plaza Athénée. Depois, fomos para um pequeno apartamento na Rue La Pérouse. A conferência era realizada num lugar enorme chamado Palais de Chaillot, onde hoje há um teatro. Todos os dias deixávamos o meu pai lá por volta de 9h e o buscávamos às 17h. Sempre chegávamos um pouco antes e me divertia em ouvir discursos em diversas línguas.

O que ele falava desses dias inteiros de deliberações?
Ele falava da admiração que tinha pelo René Cassin (jurista francês ganhador do Nobel da Paz em 1968) e, sobretudo, pela madame Roosevelt (Eleanor Roosevelt, ex-primeira-dama dos Estados Unidos e presidente da comissão que elaborou e aprovou a declaração). Eles conversavam muito. Papai queria que a declaração começasse dizendo que o homem tinha sido criado por Deus. Ela o convenceu de que não seria possível, uma vez que os países soviéticos e agnósticos não admitiriam isso de forma alguma. Quando jovem, ele foi seminarista e dizia que chegaria a Papa. Era uma brincadeira, mas podia ser que tivesse mesmo pensado nisso.

Aquele era um momento de forte comoção em razão da Segunda Guerra Mundial…
Faltavam milhões de coisas básicas, como manteiga e café. Lembro que madame Roosevelt pediu para que o meu pai lesse a declaração no Palais de Chaillot, e mamãe convenceu de que ele, muito prolixo, decorasse o texto, em francês. Lembro de assisti-lo das galerias lá no alto. Ele, pequenininho naquele lugar enorme, e todos o aplaudindo. Todos ficaram muito emocionados. Perceberam a importância que tinha essa declaração para o mundo.

O seu pai era descrito como um idealista. Ele manteve isso mesmo no fim da vida, depois de ter presenciado mais de uma ditadura no Brasil?
Acho que sim. Isso era parte dele. Sentia muito ao ver violações contantes aos direitos humanos, mas continuava achando que, com o tempo, as coisas iam melhorar.

E, para a senhora, como é ver Paris — palco da da declaração — ser alvo do maior ataque terrorista já sofrido pela França?
É terrível. O mundo não aceita coisas que estão na Declaração Universal. A declaração é uma utopia. Mas o importante é que é uma utopia que muita gente luta para que se torne uma realidade.

Há quem use a afirmação da declaração de que todos os seres humanos nascem iguais em direitos como argumento contra políticas e ações voltadas especificamente para grupos minoritários. O que acha disso?
Se ações existem é exatamente porque nem todos respeitam a ideia de que todas as pessoas são iguais. Alguns acham que negros, índios ou outras pessoas não merecem respeito e são inferiores, o que é uma coisa totalmente absurda. Os direitos humanos tentam combater esse tipo de distinção entre as pessoas. Talvez a interpretação dessas pessoas para a declaração seja muito literal.

Íntegra da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Declaração Universal dos Direitos humanos

Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração humanos;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos humanos através de um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais humanos, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declararam resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:

A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados-membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Artigo 1°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 2°
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 3°
Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4°
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5°
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 6°
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica.

Artigo 7°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8°
Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Artigo 9°
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja eqüitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

Artigo 11
1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2. Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido.

Artigo 12
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei.

Artigo 13
1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14
1. Toda a pessoa sujeita à perseguição tem o direito de procurar e de se beneficiar de asilo em outros países.
2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 15
1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16
1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos.
3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.

Artigo 17
1. Toda a pessoa, individual ou coletivamente, tem direito à propriedade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.

Artigo 20
1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios, públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.
3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.

Artigo 22
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 23
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração eqüitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.
4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e às férias periódicas pagas.

Artigo 25
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.

Artigo 26
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.

Artigo 27
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
2. Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.

Artigo 28
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração.

Artigo 29
1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2. No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.
3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.