Desempenho contamina outros setores
A indústria automotiva está no chão. No pior momento dos últimos 25 anos, o setor está com metade das linhas de produção parada. As montadoras têm capacidade de produzir até 5 milhões de veículos por ano. A situação deve piorar em 2016. Pelas previsões, será o quarto ano seguido de queda nas vendas, e o uso da capacidade deve ficar abaixo de 50%. Nem entre 1998 e 1999, quando o real desvalorizou 53% devido a choques externos, a indústria operou em nível tão baixo. O recuo no setor automotivo contaminou outros ramos, que estão usando até 60% de capacidade, como máquinas e equipamentos (58%), metalurgia (60%), produtos de metal (54%) e outros equipamentos de transporte (59%), de acordo com levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Juntamente com o setor automotivo, eles representam um quarto da indústria brasileira. Somente a cadeia do automóvel responde por 23% do PIB industrial e 5% da economia.
— São setores diretamente relacionados à indústria automotiva que lideram a queda, associada à crise do investimento. Esses setores estão muito ociosos porque o resto da indústria não está investindo — disse Rafael Cagnin, economista do Iedi.
Rodrigo Baggi, economista da Tendências Consultoria, afirma que a indústria automotiva não sofre revés tão forte desde 1990. O momento só é comparável ao fim daquela década.
— Como naquela época, houve investimento seguido de choques, que provocaram depreciação cambial, afetando o poder de compra das famílias.
‘CÂMBIO NÃO É VARINHA MÁGICA’
Segundo Baggi, no mais recente período de expansão, entre 2004 e 2012, o mercado de automóveis cresceu 11% ao ano, impulsionado também pelos incentivos fiscais, depois da crise global de 2008. De 2009 a 2014, foram mais de R$ 16 bilhões de desonerações, somente com o corte de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI):
— O pico de produção de 1997 só foi retomado em 2007. Quando a indústria começar a se recuperar, deve levar de dez a 15 anos para voltar ao nível recorde de 2012. As vendas devem despencar 19,5% este ano. Depois de já terem recuado 23% em 2015.
Para Raphael Galante, consultor do mercado automotivo, da Consultoria Oikonomia, além da recessão, o setor chegou ao CTI por se voltar apenas ao mercado interno. Em 2014, a balança comercial do setor, incluindo autopeças foi negativa em US$ 12 bilhões. O país exportou naquele ano 359 mil unidades (inclusive ônibus e caminhões), queda de 59% em relação a 2005, quando o país exportou 897 mil unidades.
— Fabricamos veículos globais, como o Focus, da Ford. Nos últimos anos, as montadoras não se preocuparam em prospectar mercados, depois dos problemas na Argentina. Agora, numa época de baixa do setor, as exportações poderiam ajudar as fábricas. Mas isso não acontece da noite para o dia, e leva-se ao menos dois anos para começar uma operação de exportação.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, afirma que o setor está dimensionado para produzir entre 4,8 milhões e 5 milhões de unidades ao ano, mas atualmente produz 2,5 milhões de veículos. Em condições normais, o uso alcança perto de 70% da capacidade:
— Todo o investimento foi feito projetando um mercado de 5 milhões de veículos. Atualmente, o nível de produção recuou a 2006, enquanto o emprego equivale ao de 2010.
Moan diz que a paralisação das linhas de produção também está acontecendo com os fornecedores de autopeças que dimensionam a produção à demanda do parque automotivo:
— Quando a economia se recuperar, as vendas voltam. Não estamos cancelando investimentos. Há R$ 82 bilhões entre 2012 e 2018 de investimentos que estão mantidos. Começamos 2016 com a Nissan anunciando injeção de R$ 750 milhões na fábrica de Resende (RJ) e a Toyota, de R$ 30 milhões em Sorocaba (SP).
EXPORTAÇÃO PODE AJUDAR
Moan aposta também na exportação, com a valorização do dólar. Ele estima alta de 8% nas vendas externas para México, Argentina, Colômbia e Uruguai, países africanos e Europa.
Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), alerta que o caminho não é tão fácil assim de trilhar:
— O Poder Público está sem capacidade para dar estímulo. Tem que olhar para fora, para o mercado externo. Mas o câmbio não é a varinha mágica do Mago Merlin. Voltar ao mercado não é trivial.
Baggi acredita que o próprio mercado interno é a solução mais para frente. O Brasil ainda tem muita gente sem carro, mesmo comparando com países de mesmo perfil como México e Argentina. Atualmente, dois em cada dez brasileiros têm carro. Nos Estados Unidos são oito, no México e Europa Oriental entre três a quatro em cada dez.
— A recuperação das vendas virá das cidades médias. Nas capitais, o mercado está estacionado há muito tempo. No Nordeste, em algumas regiões, há um habitante com carro para cada dez. Há um potencial enorme ainda a ser explorado.
O caminho do exterior, facilitado pela valorização do dólar, pode ser bloqueado diante da revolução tecnológica que vive o setor, com carros inteligentes, híbridos e elétricos. Revolução que não chegou às indústrias por aqui.
— O futuro da indústria automobilística exige cada vez mais tecnologia embarcada e veículos menores e não poluentes. As cidades não sustentam essa quantidade de carros que entram todo o ano. Não é o que acontece no Brasil. Há altíssima capacidade instalada de produção, jogando cada vez mais veículos baratos no mercado — afirmou Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral.
Ele diz que não há política de substituição de frota, estimada em 40 milhões, com inspeção veicular:
— O novo vira seminovo, seminovo vira usado e usado vira velho e todos eles convivem no mesmo espaço. A mesma coisa com os caminhões. É uma história de acidentes e mortes. Somos o país que mais mata caminhoneiros no mundo. São 9 mil por ano. Sem contar com as 50 mil mortes no trânsito. É uma guerra. A maioria morre em colisões frontais, de pistas simples, em carros sem airbag.
Para Galante, da Oikonomia, embora a fabricação de carros elétricos seja uma alternativa para garantir o futuro, ela só deve começar em escala daqui a uma geração.
José Velloso Dias Carneiro, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), diz que nem na crise da dívida externa, com hiperinflação, no início dos anos 1980, o uso da capacidade instalada foi tão baixo.
— Nem no (governo de Fernando) Collor, com hiperinflação, nem no calote de (José) Sarney, a utilização foi tão baixa. Outra medida da crise é a carteira de pedidos que está em 2,4 meses. Isso é inimaginável para indústria de máquinas e equipamentos, que pode levar até dois anos para entregar uma máquina. É muito grave.
A utilização de capacidade da indústria geral está em 66% quando se olha as grandes empresas e baixa para 58% quando se inclui as pequenas. Normalmente, a ociosidade é de 20% e não de 40% como agora. O setor caminha para o terceiro ano seguido de queda na produção. Ano passado, recuou 14% e deve cair mais 9% este ano.
— E ainda querem taxar a importação de aço, aumentando mais os custos — diz Velloso.