NATÁLIA CANCIAN
DE BRASÍLIA
Uma pesquisa inédita feita pelo Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, confirmou que o vírus zika, hoje apontado como a principal hipótese para o aumento de casos no país de bebês com microcefalia, é capaz de atravessar a placenta durante a gestação.
A análise foi feita a partir de amostras de uma paciente do Nordeste que sofreu um aborto retido –quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero– durante o primeiro trimestre de gravidez.
A suspeita surgiu após a gestante informar ter tido sintomas de zika, como manchas vermelhas no corpo, na sexta semana de gravidez. Já o aborto foi detectado em exame na oitava semana.
A partir daí, amostras da placenta passaram por exames de imunohistoquímica, capazes de verificar a infecção por vírus do mesmo gênero do vírus zika.
Em seguida, foram feitos testes moleculares por meio da técnica de RT-PCR, que identificaram o genoma do vírus zika em células da mãe e do embrião.
Segundo a virologista Cláudia Nunes Duarte dos Santos, que participou da análise, o achado confirma a transmissão do vírus via placenta.
“É muito grave, e confirma a nossa suspeita. É a primeira vez que vemos o RNA [do vírus da zika] no tecido da placenta”, diz a pesquisadora, uma das primeiras a identificar o vírus zika no Brasil.
Exame morfológico também mostrou uma inflamação da placenta, de acordo com a patologista Lúcia de Noronha, professora de medicina na PUC-PR, que verificou amostra.
“Dá para ver claramente que o vírus rompeu essa barreira”, diz.
Ainda de acordo com a pesquisadora, testes complementares descartaram a infecção por outros flavivírus, como a dengue.
TRANSMISSÃO
Além da confirmação da presença do vírus na placenta, pesquisadores também verificaram os primeiros indícios de como seria um caminho possível do vírus zika durante a transmissão.
Durante a análise, o vírus foi identificado em células de Hofbauer, que atuam na manutenção da placenta e defesa do bebê.
A hipótese dos pesquisadores que analisaram as amostras é que o vírus utiliza a capacidade migratória dessas células para alcançar os vasos fetais –um mecanismo semelhante ao observado em transmissões de HIV, segundo Lúcia de Noronha.
“Essa célula se locomove na placenta. Ao se locomover, poderia inclusive carregar o vírus, funcionando como um cavalo de Troia”, diz. “O HIV, por exemplo, faz isso, e engana essa célula”, explica.
“Como é uma célula de muita mobilidade, pode ser que por essa célula esteja chegando no embrião. É uma hipótese que vamos pesquisar agora”, completa Santos.
Ainda segundo Santos, análises anteriores já sugeriam que o vírus zika pudesse atravessar a placenta e infectar o feto, mas faltavam dados que pudessem esclarecer essa transmissão, afirma.
Em uma delas, feita pelo Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz, pesquisadores verificaram a presença do vírus em amostras do líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba, cujos fetos foram identificados com microcefalia ainda antes de nascer.
Faltavam, porém, mais evidências dessa transmissão –uma vez que o líquido amniótico pode ser atingido por outras vias, como o canal transvaginal, por exemplo.
Para Santos, a presença do vírus na placenta tanto em células da mãe quanto do embrião acaba por complementar as análises anteriores. “Isso mostra que o vírus tem potencial de fazer infecção congênita”, diz.
Apesar dos achados, ainda sobram dúvidas. Ela ressalta que, ainda que a amostra analisada seja de um caso de aborto espontâneo, não é possível afirmar que o vírus foi a causa da interrupção da gestação.
Identificado no país há menos de um ano em testes com amostras de pacientes do Nordeste, o vírus zika se espalhou e já tem circulação confirmada em 21 Estados do país e Distrito Federal.
Para o infectologista Kleber Luz, do Rio Grande do Norte, embora o caso em estudo não envolva a microcefalia, o resultado reforça a possibilidade de o vírus estar relacionado ao aumento de registros de malformações em bebês. “É mais uma prova do que o vírus zika pode causar”, afirma.