Traballhista: TST mantém decisão que condenou a rede Walmart a indenizar uma promotora de vendas
Adriana Aguiar | De São Paulo
Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro: TST terá agora que começar a uniformizar entendimentos
A rede de supermercados Walmart foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil a uma promotora de vendas que trabalhava em uma de suas lojas. Ela teria sido acusada de furtar alguns recheios de ovos de chocolate destinados à degustação pelos clientes. Mesmo não havendo relação de emprego entre a rede e a promotora, os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiram condenar o Walmart. A funcionária era contratada por uma prestadora de serviços da Kraft Foods, fabricante de produtos como Lacta e Bis, para fazer a promoção de ovos de páscoa.
Essa é uma das situações inusitadas, consideradas como oriundas de uma relação de trabalho, que passaram a ser julgadas pela Justiça do Trabalho a partir de 2004, com a edição da Emenda Constitucional nº 45. Até então, os tribunais trabalhistas só podiam julgar conflitos entre empregados e empregadores. Com a emenda, os juízes têm começado a definir o alcance do que poderia ser considerada uma relação de trabalho.
Os limites devem ser impostos pelo TST, que já analisou alguns casos, e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) têm admitido julgar embates que envolvem a relação de prestadores de serviços e profissionais autônomos com clientes, de taxistas com cooperativas e até ações de cobrança de filiados contra sindicatos.
No caso do Walmart, o TST, ao não conhecer o recurso da rede, manteve decisão do TRT da 9ª Região (PR). O tribunal entendeu que o dano moral decorreu de uma relação de trabalho. Como a empresa não compareceu à audiência de instrução processual, as alegações da promotora de vendas foram consideradas verdadeiras já em primeira instância. A vara havia condenado o Walmart ao pagamento de R$ 50 mil de indenização, valor que foi reduzido para R$ 20 mil em segunda instância.
No TST, os ministros da 8ª Turma foram unânimes ao rejeitar o recurso do Walmart por questões técnicas. Eles entenderam que não foi caracterizada uma divergência jurisprudencial entre decisões do TRT que o fizessem aceitar o recurso. O relator foi o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro. Procurado pelo Valor, o Walmart enviou nota que, no entanto, não reflete o real conteúdo do processo, que não trata de assédio moral.
Na decisão, a turma não precisou entrar na discussão sobre a competência da Justiça Trabalhista para analisar o caso, mas o ministro Amaro afirmou ao Valor que já tem julgado outras ações que tratam de relações provenientes da relação de trabalho, com diversas interpretações dadas por TRTs. “O TST agora terá que começar a uniformizar esses entendimentos”, diz. Para ele, é preciso distinguir o que deve ser considerado uma relação de consumo e o que deve ser definido como relação de trabalho. “Na relação entre um dentista e seu paciente, por exemplo, está clara a relação de consumo, mas há outros casos mais complexos em que não há jurisprudência pacificada.”
Decisões existentes em duas turmas do TST (1ª e 5ª) já consideraram que a Justiça do Trabalho não poderia resolver questões de cobrança de honorários de advogados e de profissionais autônomos da engenharia, arquitetura e medicina, quando a relação é de igualdade entre as partes, e não de subordinação. No entanto, o tema ainda é controverso e não foi pacificado no tribunal superior.
O TRT da 3ª Região (Minas Gerais) é uma das Cortes que mais têm ampliado a competência da Justiça Trabalhista com base na Emenda 45. Os desembargadores da 4ª Turma já admitiram julgar, por exemplo, uma ação de cobrança de honorários de uma corretora de imóveis. Eles entenderam que, com a nova emenda, o objeto do direito do trabalho não se restringe mais ao vínculo de emprego, abrangendo, também, os conflitos gerados nas relações de trabalho.
A 2º Turma do TRT mineiro também interpretou que caberia à Justiça do Trabalho julgar uma ação de prestação de contas movida por um filiado contra um sindicato. O sindicato, que tinha atuado como substituto processual em uma ação contra o filiado, estava sendo acusado de reter parte do seu crédito para pagamento de honorários advocatícios.
Um motorista de táxi conseguiu ter sua ação contra uma cooperativa admitida na 8ª Turma da Corte mineira. Na ação, ele alegava que teria sido impedido de exercer livremente suas atividades profissionais. Para o relator do recurso, desembargador Márcio Ribeiro do Valle, “formulado o pedido por pessoa física, é inequívoca a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar a demanda relativa ao pleito de indenização decorrente da controvérsia da relação de trabalho”.
A possibilidade de a Justiça Trabalhista analisar casos que envolvam relações de trabalho tem feito com que ela absorva uma demanda que seria da esfera cível, na opinião do advogado trabalhista Otávio Albrecht, sócio do Palópoli Advogados Associados. Sem definições, ele afirma que advogados têm entrado com ações na Justiça do Trabalho por ser mais rápida e ter a fama de favorecer os reclamantes. Para o advogado Marcos Alencar, no entanto, o TST acertou ao condenar o Walmart, já que é diretamente beneficiado pelo trabalho da promotora de vendas. No entanto, ele afirma que há casos em que a Justiça tem exagerado ao interpretar o que seria essa relação de trabalho.