Interessadas na “megaencomenda” que poderá ser feita pelo Irã para renovar sua frota de veículos, as montadoras brasileiras iniciaram as conversas com a diplomacia iraniana há três semanas. Dez empresas estão de olho no pedido, de valor total estimado em US$ 5 bilhões. Do lado das fabricantes de automóveis, a intenção do país do Oriente Médio de comprar até 140 mil carros a frotas de táxi seduz quatro marcas: Fiat, Volkswagen, Renault e Toyota.
O negócio também desperta o interesse das montadoras de veículos comerciais pesados Mercedes-Benz, Iveco, Scania, Agrale e DAF, atraídas pela sondagem que pode resultar na compra de 65 mil caminhões e 17 mil ônibus. Completa a lista a Marcopolo, com sede em Caxias do Sul (RS) que produz carrocerias de ônibus.
Representantes das empresas estiveram no último dia 14 em Brasília para participar de um primeiro encontro, intermediado pelo governo brasileiro, com o vice-embaixador iraniano, Mahdi Rounagh. Durante a reunião, no Ministério do Desenvolvimento, foram colocadas ao diplomata dúvidas sobre o pedido, como configurações e especificações técnicas dos produtos.
Possibilidade de exportar ao Irã também seduz Mercedes-Benz, Iveco, Scania, Agrale, DAF e Marcopolo
Como foi o primeiro contato, os participantes ainda tinham dúvidas básicas. Por exemplo, se os ônibus serão de circulação urbana ou para transporte coletivo por rodovias, bem como quanto à capacidade de carga dos caminhões (leve ou pesada) e a categoria dos automóveis: hatch, sedã, minivans…
Ficou combinado que todas as questões seriam encaminhadas para serem respondidas em nova reunião – provavelmente na embaixada do Irã em Brasília, em data a ser marcada. As autoridades iranianas foram convidadas por algumas das “pré-candidatas” a visitar linhas de produção.
As montadoras querem dirimir todas as dúvidas para avaliar a viabilidade do negócio e formatar propostas antes da chegada de uma missão comercial iraniana prevista para maio, quando espera-se que as negociações avancem.
Ainda que as entregas não sejam de apenas um ano, tendo seu impacto diluído até o fim desta década, as compras do Irã, caso se confirmem, podem dar algum refresco a uma indústria que enfrenta grave crise no terreno doméstico e que não tem saída a mercados de fora de um território circunscrito a parceiros comerciais da América Latina, além da África do Sul.
O maior impacto se daria nas fábricas de caminhões, dado que o potencial da encomenda equivale a tudo o que o setor exportou nos últimos três anos. Já o pedido de carros, para efeito de comparação, demandaria um volume de exportações que as montadoras levam hoje cinco meses para preencher.
Mas há obstáculos, a começar pelo posicionamento geográfico. O Irã é, em geral, um mercado atendido por operações das multinacionais na Europa ou na Ásia. Seria, portanto, necessário inverter a dinâmica das cadeias globais de fornecimento das multinacionais.
Diferentemente das concorrentes, a Scania, por exemplo, tem a vantagem de contar no Irã com um parceiro para distribuição e montagem local de partes de ônibus, mas o país está “sob a jurisdição” da fábrica sueca. A Toyota usa a Índia como base de exportação na região do Etios, modelo também produzido em Sorocaba (SP), com sucesso entre taxistas brasileiros.
Embora o Planalto jogue fichas nos laços políticos construídos com o Irã nos últimos anos, o país asiático, como é normal nesse tipo de negociação, vai buscar os preços mais baixos, enquanto as matrizes das montadoras, que decidem de onde vão fornecer os veículos, vão escalar as operações mais competitivas. E nesse ponto, além do gasto de colocar um automóvel num país localizado a mais de 8,4 mil milhas náuticas de distância, será preciso incluir na conta o custo de adaptação dos veículos.
Segundo informações de uma montadora que, ao menos por enquanto, prefere ficar de fora da disputa, as exigências iranianas a caminhões vão de sistemas de estabilização eletrônica a cavalos mecânicos com para-choque traseiro. O para-choque dianteiro precisa passar por teste de colisão que não existe no Brasil, ao passo que os motores devem atender normas de emissões Euro 4 ou Euro 6. Pela legislação brasileira, os propulsores cumprem um nível de exigência intermediário, o chamado Euro 5. São exigências que demandariam, além de dinheiro, tempo de desenvolvimento e testes.
Mesmo assim, Luiz Moan, presidente da Anfavea, entidade que abriga as montadoras instaladas no Brasil, diz que as empresas têm no país condições técnicas de atender ao pedido. “Não tenho nenhuma dúvida sobre isso”, diz o executivo, um dos presentes no encontro com o vice-embaixador iraniano no mês passado.
Procurada pelo Valor para comentar as tratativas com o Irã, a Volkswagen diz ter tomado conhecimento da demanda e que está agora avaliando as ações necessárias. A Scania também informa que o negócio está em análise. Por conta de sua linha de modelos globais, ressalta ter condições de suprir o Irã pelo Brasil. A DAF, dona de uma fábrica de caminhões no Paraná, informa ter se inteirado das condições da possível relação comercial com o Irã e que, no momento, avalia qual estratégia seguir.
A Mercedes-Benz, por sua vez, diz estar atenta a oportunidades de negócio, inclusive no Oriente Médio. Tanto a Fiat quanto a Iveco não comentaram o tema, enquanto Agrale e Marcopolo disseram que o analisam internamente.
A Toyota informou não ter respondido oficialmente ao governo se tem interesse no projeto. A Renault não deu retorno.