Mantega anuncia o fim do IPI reduzido para automóveis e eletrodomésticos


Ministro diz que já está na hora de retirar as medidas tomadas pelo governo para estimular a economia

Jamil Chade

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que está na hora de o Brasil começar a retirar as medidas fiscais para socorrer a economia e garantiu que os incentivos serão eliminados. Ele adiantou que a isenção fiscal (redução do Imposto sobre Produtos Industrializados) para a linha branca acabará neste fim de semana e o incentivo ao setor automotivo também tem data marcada para terminar. Segundo ele, a indústria sofreu contração de 5% a 6% em 2009, mas as perspectivas são de crescimento para 2010.

Apesar de defender o fim dos pacotes criados para ajudar a economia a enfrentar a crise, Mantega diz que o Estado precisará garantir uma nova regulação ao sistema financeiro internacional e manter sua presença. Hoje, Mantega defenderá a tese da importância do papel do Estado aos empresários reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e cobrará a aceleração de reformas no sistema financeiro. Abaixo, trechos da entrevista de Mantega.

SAÍDA

Segundo Mantega, os incentivos fiscais criados para dar fôlego às vendas de eletrodomésticos terminarão no fim de semana, já em um sinal de que o Brasil começa a adotar sua estratégia de saída dos pacotes. “Os estímulos fiscais estão sendo desativados e chegando ao fim.”

Desde que foram criados, os incentivos passaram por várias renovações. Na véspera de seus prazos, o governo evitava dar indicações se manteria a medida ou não, até mesmo para incentivar os consumidores a manterem suas compras e não adiarem decisões. Questionado se a decisão seria para valer desta vez, Mantega insistiu que sim, garantindo que não seria uma estratégia de comunicação do governo. “Achamos que, se a economia está crescendo, ela não precisa mais da ajuda do Estado.” Ele garantiu que os incentivos para a compra de veículos vão acabar em 31 de março. “Isso não será renovado.”

Para 2010, Mantega estima que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ficará entre 5% e 5,5%, puxado por consumo doméstico e investimentos. Mas rejeita a tese de um superaquecimento da economia e de risco de inflação.

“A preocupação no Brasil é se vamos crescer demais ou não. Essa é a discussão que está sendo colocada. Não sou em quem a coloco. Há quem diga que o País poderia crescer entre 6% e 6,5%”, disse. “Mas não acho que há nem bolha nem superaquecimento da economia brasileira. Quem diz isso está fazendo um prognóstico apressado. Estamos apenas recuperando o que perdemos.”

Prova de que não haveria uma bolha é o fato de que, por seus dados, ainda existe uma capacidade ociosa na indústria. Ainda, segundo ele, em 2009, o setor deve fechar o ano em queda de 5% a 6%. Para 2010, o País criará mais de um milhão de empregos e alguns setores terão falta de mão de obra.

DÍVIDA

Mantega admite que o maior desafio para o mundo será estabelecer uma estratégia de manutenção da recuperação das economias, sem criar uma nova crise da dívida. Para o ministro, esse risco é real. “Saímos dessa crise com uma grande dívida pública. Mas não tinha como escapar disso. Agora, o desafio é como fazer para não desestimular a economia e, ao mesmo tempo, administrar a dívida, o que não é fácil”, alertou. Ele rejeita que a crise da dívida seja um risco no Brasil e garante que o País não vive o dilema entre dívida e manter o crescimento. “A intervenção do Estado foi mais precisa e menos dispendiosa e já saímos da crise. A dívida não cresceu de forma desmesurada, mas vai voltar a cair”, indicando que a taxa seria uma das menores entre os países do G-20. Segundo ele, o déficit público nominal fechou 2009 em 3,2% e o superávit primário em 2009 foi de 2,5% e será de 3,3% em 2010.

BANCOS

Mantega critica o comportamento dos bancos, mas estima que ainda existe espaço político para uma reforma das regras financeiras internacionais. “Todos concordavam que havia essa necessidade. Mas é claro que, com a crise sendo menos intensa, as vontades diminuem. Em certos países, o sistema financeiro tem forte influência política e isso dificulta essas mudanças”, avaliou.

Ele lembra que, no início da crise, muitos governos falavam na criação de taxas sobre os bancos. “Os europeus, que eram os que mais falavam, deixaram de falar. O Reino Unido apenas taxou os bônus e não fala mais em taxar capitais. Há uma mediação política das decisões e vontades”, criticou.

Para ele, deve haver um novo pacote de regras “para impedir que a irresponsabilidade cometida seja repetida” pelos bancos. Um ponto positivo, segundo ele, é a proposta de Barack Obama de criar uma taxa de 0,15% sobre os ativos dos bancos que foram ajudados pelo governo.

O ministro, porém, rejeita a ideia para o Brasil. “Não demos dinheiro aos bancos e, portanto, não há a necessidade de cobrar a taxa.”

Mantega ainda ataca o comportamento dos bancos. O crédito continua escasso, tanto para o setor privado como para os consumidores no mundo. “Falta crédito. Mas os bancos voltaram a ter lucro e distribuir bônus extraordinários”, disse. “Isso causa uma certa revolta do contribuinte que deu dinheiro para governos para ajudar os bancos.”

BOLSA

Sobre a bolsa em São Paulo e a saída de bilhões de dólares nos últimos dias, Mantega insiste que o movimento não o preocupa e que se trata de uma repercussão de medidas na China. Mas admite que existem riscos de bolhas no sistema e critica mais uma vez os bancos. “É normal que haja momentos de entrada e saída de capital. Os mercados oscilam muito. Há momentos de realização (de lucros) ainda. No caso das saídas nos últimos dias, foi mais um reflexo da situação da China. A China tomou medidas de contração monetária e lá sim pode haver uma bolha. Os chineses colocaram muito crédito em circulação, o que não fizemos no Brasil. Agora, terão de refrear o volume financeiro e isso gera temores de que vão diminuir o consumo de commodities. O impacto, então, é no Brasil e nossa bolsa cai.”

REAL X DÓLAR

Mantega ainda declara que a valorização do dólar em relação ao real foi positiva. “O câmbio está melhor do que estava”, disse. Ele se recusa a dizer qual seria a taxa ideal para o Brasil, mas insiste que o governo tem seu papel na equação final. “O câmbio bom é o de equilíbrio. O equilíbrio é o que resultar das forças de mercado e um pouco de ajuda do Banco Central.”

“Durante muito tempo, especuladores tinham a vida muito fácil, sabendo que o real se valorizaria”, disse. Para Mantega, a intervenção do governo é para garantir que a flutuação de fato ocorra. “Tínhamos um câmbio flutuante, mas que só flutuava em uma direção. Isso não vale. Nós queremos um câmbio flutuante que flutue para cima e para baixo”, disse. “As apostas mudaram de direção. Antes, só se apostava na direção da valorização do real e era fácil ganhar dinheiro no Brasil. Agora, essa verdade não existe.”

ELEIÇÃO

Mantega ainda provocou. Para ele, nenhum candidato nas eleições presidenciais no Brasil terá a coragem de propor mudanças na área econômica. “O resultado econômico é fundamental na situação política. No Brasil, a mudança não é necessária. Quero ver quem é o candidato que vai dizer que vai mudar e acabar com nossos programas. Faço uma aposta. Duvido que algum candidato diga que vai mudar. Eu estou pagando para ver. Os candidatos não vão explorar a questão econômica na campanha. Só explora isso quando dá errado.”