Real mais forte não deve atrapalhar retomada em 2017

O câmbio mais valorizado já afeta a rentabilidade das exportações, mas o real mais forte não deve atrapalhar a retomada da atividade econômica neste ano e no ano que vem. No curto prazo, a moeda mais apreciada pode inclusive ajudar na recuperação da economia, dizem alguns analistas, citando fatores como o efeito favorável sobre a inflação, o barateamento de bens de capital importados e o alívio para quem tem dívidas em dólares.

No entanto, se a valorização se acentuar e for mantida por muito tempo, pode haver um impacto negativo mais preocupante sobre a competitividade da indústria e sobre decisões de investimento nos setores que produzem bens comercializáveis internacionalmente (os chamados “tradables”).

De mais concreto, a balança comercial em 2017 deve ter um saldo alguns bilhões de dólares menor do que com um câmbio mais depreciado. Depois de atingir R$ 4,16 em janeiro, a moeda americana recuou nos meses seguintes, chegando a ser negociada a R$ 3,13 na semana passada. Nos últimos dias, a cotação subiu – ontem, fechou a R$ 3,23.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, avalia que, no curto prazo, o câmbio mais valorizado tem um efeito “claramente expansionista”. O real mais forte colabora para a melhora da confiança, aumenta o poder de compra em dólares e torna mais barato o investimento, ao reduzir os preços de bens de capital importados, por exemplo.

Além disso, pode ampliar o espaço para a queda dos juros, ao colaborar para a queda da inflação, diz Borges. Ele cita ainda o impacto financeiro, uma vez que o recuo do dólar reduz o endividamento das empresas com débitos na moeda americana.

“A apreciação do câmbio acelera a desalavancagem do setor corporativo”, afirma Borges, que projeta uma expansão da economia de 1,5% no que vem, “com viés de alta”. Ele observa ainda que o peso das exportações na economia brasileira é pequeno, respondendo por uma fatia de 12% a 13% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto o consumo das famílias e o investimento equivalem juntos a cerca de 80% do PIB.

Sócio da Gávea Investimentos, Andrei Spacov também vê um efeito expansionista no curto prazo do fortalecimento do real. Há um impacto positivo sobre a confiança e o barateamento de insumos e de bens de capital importados, diz ele, que vê a possibilidade de um crescimento na casa de 2% em 2017, o que não seria um feito extraordinário depois do brutal tombo do PIB em 2015 e 2016.

Com um câmbio mais valorizado, porém, parte da demanda interna “vaza” para o exterior, diz Borges, numa referência ao fato de que uma parcela maior dela será atendida por importações. Um efeito mais imediato do real mais forte é reduzir um pouco o saldo comercial de 2017. Nas estimativas de Spacov, o saldo comercial deve ficar em US$ 50 bilhões neste ano e em US$ 35 bilhões a US$ 40 bilhões no ano que vem. Para ele, o dólar deve terminar este ano em R$ 3,25 e o ano que vem em R$ 3,50. Com as projeções anteriores para o câmbio, de R$ 3,45 no fim de 2016 e R$ 3,80 no fim de 2017, o saldo no ano que vem poderia ser algo como US$ 5 bilhões maior, avalia.

O efeito mais importante, porém, é o da atividade econômica, que deverá ganhar fôlego no ano que vem, diz Spacov. Segundo ele, a economia sairá de uma retração na casa de 3% em 2016 para uma expansão na casa de 2% no próximo ano. Com isso, as importações deverão reagir, contribuindo para reduzir o superávit.

Já num prazo mais longo, um câmbio mais apreciado pode ter efeitos negativos sobre a economia, diz Spacov. A competitividade da indústria é afetada e decisões de investimento podem ser prejudicadas, afastando a instalação de uma unidade de exportação no Brasil, por exemplo. Borges lembra que, em período mais dilatados, um real mais valorizado atinge a indústria, o setor de maior produtividade da economia, o que pode ter impacto sobre a capacidade de crescimento a taxas mais elevadas.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, tem uma visão negativa sobre o impacto do câmbio valorizado sobre a economia mesmo no curto prazo. Para ele, “é muito questionável” a afirmação de que a apreciação da moeda é expansionista num período mais curto, apesar de efeitos como o barateamento de bens de capital e a melhora do humor que o real mais forte pode causar. A perda de competitividade das exportações e de quem compete com importações desagrada Gonçalves, para quem um câmbio apreciado demais pode levar a um caminho que já causou sérios estragos à economia brasileira em outras ocasiões.

Para Gonçalves, o câmbio deve fechar 2016 em R$ 3,28 e 2017 em R$ 3,51. Ele considera um câmbio na casa de R$ 3,40 a R$ 3,50 como o melhor para a economia brasileira no momento, avaliando como preocupante uma eventual queda da moeda para a casa de R$ 3. No entanto, o economista diz não acreditar que o câmbio se manteria nesse nível, ainda que possa buscar esse valor depois de sacramentado o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência.

“O dólar pode beliscar R$ 3, mas não deve se sustentar aí”, afirma ele. Para Gonçalves, a tendência é que surjam notícias menos positivas sobre o ajuste fiscal nos próximos meses, como as dificuldades do governo para aprovar o projeto que limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior. Além disso, embora o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não deva elevar os juros no curto prazo, com o passar do tempo ficará mais próxima a alta dos juros nos EUA, avalia ele. Em resumo, a liquidez internacional continuará elevada, mas em algum momento as taxas americanas deverão subir, ainda que lentamente. Isso limitaria em alguma medida o potencial de fortalecimento adicional do câmbio por aqui, apesar da elevada diferença entre os juros externos e internos.

Spacov e Borges também não veem um real se apreciando com muito mais força nos próximos meses. O sócio da Gávea avalia que as boas notícias sobre o cenário fiscal já foram antecipadas e incorporadas aos preços. A negociação no Congresso do projeto do teto de gastos deve ser dura, podendo trazer más notícias, como a aprovação de uma versão mais “aguada” da proposta, diz ele.

Se o câmbio continuar a se valorizar, a expectativa dos analistas é de que o Banco Central (BC) continuará a reduzir – até eliminar – o estoque de swaps cambiais, o que equivale a comprar dólares no mercado futuro. É a primeira medida a ser tomada, sendo uma estratégia que atende a todos, como diz Gonçalves.

Para Borges, o BC deve atuar para tentar conter eventuais excessos de volatilidade. “Mas, se o câmbio começar a afundar, o instrumento que ele deveria usar é a redução de juros, até mesmo porque a valorização cambial tende a acelerar a desinflação da economia brasileira”, afirma ele. Gonçalves também vê cortes dos juros com bons olhos, mas diz que, a depender das circunstâncias, eles podem não bastar. No caso de apreciação cambial exagerada, ele acha que pode ser o caso de adotar algum instrumento tributário, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), para “disciplinar” eventuais entradas excessivas de recursos externos.

Esse, contudo, não é o cenário básico com que trabalham os três analistas. Eles não acreditam numa onda de valorização forte e sustentada do real mesmo depois de confirmado o impeachment de Dilma, o que deve ocorrer no fim do mês.