Miguel Jorge – O Estado de S.Paulo
Filosofia, Sociologia, Música e Espanhol. Depois de incluir, nos últimos anos, essas disciplinas no currículo do ensino médio, o Conselho Nacional de Educação estuda acrescentar uma sobre direitos humanos no ensino básico. É louvável assegurar às crianças e aos jovens brasileiros o estudo de novas áreas do saber nas escolas públicas, pois isso lhes daria maior compreensão do mundo que os cerca, levando-os a refletir e agir com civilidade, consciência e respeito. “Daria maior compreensão…”, com o verbo no condicional? Por que não dará, com o verbo no futuro?
Porque é impossível atingir tal estágio sem antes atacar as questões fundamentais que comprometem a qualidade da educação. Classificado nas últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), com problemas crônicos de ingresso tardio na escola, repetência, professores desmotivados, mal remunerados e mal preparados, infraestrutura precária e famílias distantes do processo de ensino, o Brasil está numa encruzilhada.
Uma das maiores economias do mundo, com fortes índices de crescimento e de redução de desigualdade social, só manteremos e ampliaremos as conquistas dos últimos anos com grandes investimentos em educação. Para não perder em competitividade precisa formar mão de obra qualificada. Para atender às exigências da classe média crescente, que busca um futuro melhor, precisa garantir a todos o direito ao conhecimento. Para ingressar no seleto clube dos países desenvolvidos precisa de muita vontade e de decisão para encarar seus grandes problemas educacionais.
Como reflexão, convém recordar alguns números. A última edição do Pisa, de 2009, avaliou 470 mil estudantes de 15 anos, de 65 países, ou 90% da economia mundial. Em leitura, a China foi a primeira e o Brasil, 53.º, atrás de Chile (44.º), Uruguai (47.º), Trinidad e Tobago (51.º) e Colômbia (52.º). Como consolo, chegamos à frente da Argentina (58.º) e do Peru (63.º). Em Matemática, nossos estudantes ficaram em 57.º e em Ciências, em 53.º.
Há índices de sobra, que, infelizmente, não se traduzem em mudanças nas políticas públicas. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e Prova Brasil (complementar ao Saeb) estão entre as pesquisas regulares do MEC para retratar a situação da educação. E persistem o quadro de precariedades e a baixa qualidade do ensino, apesar dos avanços registrados.
O Inep, em levantamento de 2009, mostra que 34 a cada 100 estudantes do ensino médio sofreram defasagem ao longo da vida escolar, enquanto no ensino fundamental 23 a cada 100 estudantes estão atrasados. Outro estudo, com dados da Pnad-IBGE, destaca que só 30% da população entre 25 e 34 anos frequentou até a 3.ª série do ensino médio – sem conhecimento para preencher vagas que exigem ensino médio completo, a taxa de desemprego é de 14%, acima dos 9% dos que têm até oito anos de escolaridade.
Relatório da Unesco é contundente: entre 1999 e 2007 o índice de repetência no ensino fundamental (18,7%) foi o mais elevado da América Latina (AL) e muito acima da média mundial, 2,8%. Segundo o relatório, 13,8% dos brasileiros abandonam os estudos no primeiro ano do ensino básico, o que nos coloca apenas à frente da Nicarágua (26,2%), na AL, e bem acima da média mundial (2,2%).
A Unesco define analfabeto funcional como quem sabe escrever o próprio nome, lê e escreve frases simples e faz cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas. Em 2009 eram 20,3%, isto é, um em cada cinco brasileiros é analfabeto funcional: tem compreensão limitada do que observa ou produz e o desenvolvimento pessoal e profissional comprometido.
Daí, não é de estranhar que um professor da rede pública encontre alunos de 12, 13 anos, estudantes da 6.ª ou 7.ª séries, que mal sabem escrever o próprio nome e são incapazes de construir frases.
Também não é de estranhar que, há coisa de dois meses, Amanda Gurgel, que leciona Português na rede pública do Rio Grande do Norte, tenha virado celebridade na internet. Ela resumiu sua situação em três dígitos (9, 3 e 0), seu salário e o de milhares de profissionais como ela: R$ 930 – o que obriga a trabalhar 30, 40 e até 60 horas semanais, numa rotina de empréstimos, bicos, muito cansaço e desestímulo. Não há como negar que a grande maioria dos professores da educação básica é mal remunerada e trabalha sem condições. Nem que também esses professores tiveram, em geral, uma formação inicial insatisfatória nas disciplinas que lecionam e no campo didático-pedagógico.
Pelos dados da Pnad-2010, o salário médio de um professor da educação básica é 40% menor que o de um trabalhador com o mesmo nível de escolaridade. No rico Estado de São Paulo, por exemplo, a remuneração média de um professor é de R$ 1.905 e a de um profissional de outra ocupação, R$ 3.306. Neste caso, a equação está feita: melhores cursos de formação dos docentes + remuneração adequada + capacitação continuada = bons professores, que ensinarão mais e melhor.
Uma das conclusões do estudo do pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Ipea (Caminhos para melhorar o aprendizado), a partir dos resultados de 165 estudos acadêmicos brasileiros e estrangeiros sobre educação, é que um aluno que estuda com os melhores professores da rede pública aprende 68% mais que a média dos estudantes. Mais: além de nível de escolaridade, formação profissional e experiência, o sucesso do professor depende também de características como liderança, motivação e persistência.
Por tudo isso, o Brasil, que ainda tem 9,6% da população com 15 ou mais anos analfabeta, precisa avançar muito para se igualar às economias mais competitivas. São quase 14 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever, e reverter esse quadro dependerá do esforço de todos os segmentos da sociedade, mas, principalmente, da implementação de políticas públicas duradouras e eficazes pelos governos federal, estaduais e municipais.
JORNALISTA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR NO GOVERNO LULA (2007-2010)