Trabalho: Avaliação é de 71% dos entrevistados em cinco Estados e no DF
Arícia Martins e Luciano Máximo | De São Paulo
Pesquisa inédita realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o trabalho é o local onde as pessoas acreditam que a raça ou cor têm a maior influência na relação social entre as pessoas. A resposta foi dada por 71% dos entrevistados de uma amostra de cerca de 15 mil domicílios, coletada em 2008 em cinco Estados brasileiros (Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso), além do Distrito Federal.
Com o objetivo de classificar o peso dos fatores cor e raça em diferentes situações da vida do brasileiro, a “Pesquisa das Características Étnico-raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” ouviu pessoas com 15 anos ou mais, escolhidas por sorteio.
Cada entrevistado podia apontar três alternativas para questões sobre trabalho, relação com a Justiça e polícia, convívio social, escola, repartições públicas, atendimento à saúde e matrimônio. Depois de trabalho, as relações sociais mais citadas foram Justiça/polícia, escolhida por 68,3% dos pesquisados pelo IBGE, e convívio social, item mencionado por 65% das pessoas ouvidas.
Para especialistas consultados pelo Valor, a indicação de que cor e raça têm influência relevante em várias situações da vida do brasileiro reflete uma realidade há muito conhecida: o Brasil ainda é um país preconceituoso, sem verdadeira integração racial, o que é sentido principalmente no trabalho – espaço social que, assim como a escola, é o que mais envolve o cotidiano do cidadão.
Na opinião do cientista político Daniel Cara, o estudo do IBGE só mostra em termos de opinião o que já é verificado de forma objetiva. “A questão racial pesa negativamente para os negros nos aspectos-chave para a construção da qualidade de vida e questão social”, avalia. “A opinião dada na pesquisa só corrobora que é preciso tomar medidas no sentido de superar o preconceito.”
A violência contra os negros é tão gritante, diz Cara, que acaba superando discussões sobre o preconceito sofrido no emprego e na escola. “Desde o mercado de trabalho passando pela educação, e chegando especialmente nas relações que evidenciam violência e criminalização, no fundo a vida cotidiana mostra que o Brasil é um país que ainda precisa evoluir muito para superar a questão racial”, afirma.
Maria Julia Nogueira, secretária de combate ao racismo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), lembra que, nos últimos anos, o país “avançou muito” nas políticas de enfrentamento da discriminação racial, mas o preconceito ainda pode ser percebido nas estatísticas. “Pesquisas mostram, invariavelmente, que a disparidade entre trabalhadores negros e não negros é enorme, principalmente nas questões salariais e de ocupação de cargos de chefia”, afirma a sindicalista.
Recente relatório produzido pelo Instituto Ethos e pelo Ibope , a partir de um levantamento que colheu a opinião de mais de 620 mil empregados de 109 empresas grandes, revelou que 67,3% dos cargos de direção dessas companhias são ocupados por brancos, enquanto os negros representam 31% dos principais cargos da elite empresarial.
Mesmo com três diplomas, incluindo uma graduação em literatura inglesa pela universidade Westminster College, de Londres, o advogado João Antonio Alves reclama da dificuldade de conseguir emprego e diz que “já cansou” de sofrer preconceito racial “velado” em processos seletivos, principalmente em empresas de grande porte.
“Dizer que o Brasil é um país sem preconceitos, que não há racismo por aqui, é chover no molhado. Pegue as grandes corporações: quantos chefes são de cor? Tenho três faculdades e sofri muito para me colocar no mercado numa posição à altura da minha capacidade, mas hoje trabalho por conta e estou muito bem profissionalmente”, conta Alves.
Na opinião de Antonio Guercio, também advogado, associar cor e raça a questões profissionais é um sinal claro de que “o preconceito existe e faz parte do nosso dia a dia”. “Uma pessoa dizer que a cor tem peso no seu trabalho é obviamente uma percepção negativa, porque mostra que a sociedade brasileira ainda mantém arraigados certos valores da época do Brasil escravocrata. Ou seja, quando falamos de negros continuamos dando importância aos valores externos e não aos valores intrínsecos de cada cidadão”, diz Guercio.
“É um dado um pouco chocante”, diz a pesquisadora do IBGE Ana Lúcia Saboia em alusão à pesquisa sobre raça e cor. Ela destaca, no entanto, que o instituto não pôde chegar a outras conclusões a partir das respostas encontradas no estudo, mas que pretende aprofundar melhor o tema em futuros levantamentos.
“Estamos estudando como essa questão da cor e da raça está presente no debate público do país. Também estamos preocupados em fazer com que o nosso sistema de dados esteja sempre adaptado à realidade brasileira. Esse é um primeiro estudo para vermos como será daqui para frente”, diz Ana Lúcia.