Política industrial terá desoneração de R$ 25 bi e vai zerar contribuição previdenciária de quatro setores


Publicada em 02/08/2011 às 18h14m

Eliane Oliveira, Martha Beck, Flávia Barbosa e Chico de Gois (economia@oglobo.com.br)Com agências <!—->

BRASÍLIA – A nova política industrial, lançada nesta terça-feira pela presidente Dilma Rousseff, prevê R$ 25 bilhões em desonerações tributários em dois anos. Em uma das medidas mais importantes, será reduzida, para zero, a alíquota de 20% de contribuição previdenciária dos setores de calçados, confecções, móveis e softwares. As medidas do Plano Brasil Maior, como foi batizado, foram antecipadas pelo GLOBO.

Numa referência velada a EUA e China, Dilma afirmou que o governo quer fortalecer a indústria nacional contra a “marcha da insensatez” de alguns países, o excesso de liquidez e a concorrência desleal de importados.

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De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), esses setores beneficiados com a desoneração da folha de pagamento são mais intensivos em mão de obra e, ao mesmo tempo, sensíveis ao câmbio e à concorrência internacional. Em contrapartida à desoneração da folha de pagamento, será cobrada uma contribuição sobre o faturamento das empresas a partir de 1,5%, de acordo com o setor.

Uma medida provisória (MP) garante que o Tesouro Nacional arcará com a diferença para cobrir a eventual perda de arrecadação da Previdência Social. A MP vale até 2012 e seu impacto será acompanhado por uma comissão tripartite, formada por governo, setor produtivo e sociedade civil.

O mercado brasileiro deve ser usufruído pela indústria brasileira e não pelos aventureiros que vêm de fora


A desoneração experimental da folha de pagamento das indústrias de calçados, confecções e móveis e da área de software – uma das principais apostas da nova política industrial – tem custo máximo estimado de R$ 1,3 bilhão para os cofres públicos. Este é o valor que o Tesouro Nacional deverá ter que desembolsar até dezembro de 2012 para cobrir as contas do INSS no período.

No curto prazo, a troca da tributação da folha para o faturamento não é completamente neutra, isto é, pela nova fórmula não será arrecadado das empresas o montante equivalente a 20% de contribuição previdenciária patronal.

Pelo Plano Brasil Maior, quatro setores intensivos em mão de obra funcionarão como projeto-piloto para a desoneração da folha de pagamento. Em vez de recolherem a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha, os segmentos passam a ser tributados sobre o faturamento. No caso das indústrias de calçados, de confecções e de móveis, a alíquota será de 1,5%. No setor de serviços (software), a alíquota será de 2,5%.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, ponderou que o Tesouro poderá ter de fazer uma transferência inferior ao R$ 1,3 bilhão ou mesmo vir a não fazê-la, caso a medidas produza os efeitos esperados até dezembro do ano que vem:

– Pode haver um crescimento da atividade destes setores, com crescimento do faturamento, e pode haver uma formalização maior, especialmente no setor de software. Por isso não é uma conta fechada, certa. Estimamos o efeito líquido entre R$ 1,2 bilhão e R$ 1,3 bilhão, mas pode não acontecer.

Em um breve discurso, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, chamou a nova política de corajosa, ousada e audaz. Ele admitiu que o parque industrial brasileiro está ameaçado pela competição predatória internacional e afirmou:

– País desenvolvido é país que tem indústria. Vamos defender a nossa.

Plano fortalece país contra avalanche de importados, diz Dilma

Embora não tenha expressado nomes na crítica a outros países, Dilma se referia, sobretudo, aos Estados Unidos e à China. No primeiro caso, porque a demora dos americanos em aprovar o aumento de seu endividamento só fez crescer a crise econômica mundial. No segundo caso, porque a China utiliza de táticas consideradas desleais para exportar seus produtos para o Brasil, valendo-se, por exemplo, da triangulação em outros países para escapar de sobretaxa.

– Isso (a aprovação do pacote de medidas que aumenta o teto da dívida dos Estados Unidos) evitará o pior. Mas o mundo viverá um longo período de tensão econômica, resultado da marcha da insensatez, da incapacidade política e da supremacia de ambições regionais ou corporativas de alguns países – declarou.

Dilma, que foi muito aplaudida por empresários, observou que o Brasil, apesar de ter aumentado suas reservas e de ter passado com poucos danos pela crise de 2008, não se pode declarar imune aos efeitos dos problemas econômicos mundiais que ainda perduram. Por isso, em sua opinião, é imperativo proteger a indústria nacional.

– Nós todos sabemos que vivemos um período de turbulência em que o excesso de liquidez imposto pelos países ricos em direção aos países emergentes resulta em opressivo desequilíbrio cambial. A insensatez pode ter sido evitada, mas a instabilidade produzida lá fora vai continuar. O Brasil tem condições de enfrentar essa crise prolongada, mas não pode se declarar imune a seus efeitos – disse.

Dilma afirmou que os empresários podem ver nela uma parceira e que fará de tudo para proteger a indústria.

– Hoje, mais do que nunca, é imperativo defender a indústria brasileira e nossos empregos da concorrência desleal, da guerra cambial que reduz nossas exportações e, mais grave ainda, tenta reduzir nosso mercado interno que construímos com muito esforço e com muita dedicação.

Para Dilma, o desafio do governo é, ao mesmo tempo, criar melhores condições para a indústria brasileira e não recorrer ao protecionismo ilegal que prejudica o Brasil e é criticado pelo próprio país:

– Se a concorrência contra os importados baratos e nem sempre de boa qualidade já tem sido uma luta injusta, saibam que, com a crise nos países desenvolvidos e a consequente retração dos seus mercados internos, a concorrência pode se tornar ainda mais difícil para a indústria brasileira. Por isso, teremos de manter um diálogo sistemático.

Mantega culpa Europa e EUA por cenário desfavorável

Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, destacou que o cenário internacional está desfavorável em função das dificuldades da Europa e dos EUA de recuperarem suas economias. Esse quadro acaba prejudicando a indústria manufatureira mundial, especialmente a brasileira.

– O mundo está em crise. Ela se arrasta há mais de dois anos. Os países avançados não dão sinais de recuperação, e essa situação ainda vai durar dois ou três anos. Esse cenário prejudica sobretudo o setor manufatureiro, que está em crise desde 2008 – disse Mantega, durante cerimônia no Palácio do Planalto.

No Brasil, segundo o ministro, o mercado interno conseguiu se recuperar das turbulências mais rapidamente, mas esses ganhos não estão chegando ao setor manufatureiro, pois o país está sendo invadido por produtos importados:

– A indústria manufatureira mundial está buscando mercados a qualquer custo. É um cenário de concorrência predatória – disse Mantega, acrescentando:

– Nosso mercado está sendo, em parte, apropriado por produtos manufaturados importados. Os países estão usando guerra cambial.

Segundo ele, os Estados Unidos, por exemplo, estão desvalorizando o dólar para tentar recuperar sua economia pelo mercado externo:

– Os Estados Unidos não resolvem a crise em casa e tentam resolver para fora.

Segundo Mantega, o governo continuará tomando medidas para evitar que a moeda americana derreta. Ele ressaltou que as ações que foram anunciadas pela equipe econômica na semana passada, como a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para derivativos, ajudaram a segurar as cotações.

– Temos feito políticas cambiais tentando evitar que o real fique excessivamente valorizado. Sem as medidas que tomamos na semana passada, quando o dólar estava derretendo, eu acho que ele teria ido abaixo de R$ 1,50. Continuaremos tomando medidas cambiais, mas temos que tomar medidas que ajudem a indústria brasileira. O mercado brasileiro deve ser usufruído pela indústria brasileira e não pelos aventureiros que vêm de fora.

Incentivo tributário e preferência em licitações

Além da desoneração da folha de pagamento, a nova política industrial, cujo slogan é “Inovar para competir. Competir para crescer”, prevê desde desoneração de exportações, com a criação do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra), até a fixação de uma margem de preferência de 25% nos processos de licitação para manufaturados e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras. No caso do Reitengra, a ideia é devolver ao exportador 0,5% da receita da exportação, nos moldes da instituição do Imposto de Renda.

Neste momento, o governo irá focalizar a preferência nas licitações nos setores de saúde, defesa, têxtil e confecções, calçados e tecnologia da informação e da comunicação.

O ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, citou o programa de compras governamentais como um dos pontos fortes da nova política industrial:

– Só seremos competitivos se formos capazes de inovar.

O setor automotivo, grande gerador de empregos e sempre beneficiado em medidas governamentais, terá um novo regime. Receberá incentivo tributário como contrapartida ao investimento, agregação de valor, geração de emprego, inovação e eficiência. Ficam assegurados os regimes regionais e os acordos firmados no Mercosul.

Financiamento

O BNDES prevê um orçamento de R$ 500 bilhões entre 2011 e 2014 para o setor empresarial. Do total, R$ 262 bilhões serão destinados a setores intensivos em conhecimento, R$ 200 bilhões voltados ao fortalecimento das micro, pequenas e médias empresas, R$ 70 bilhões para o desenvolvimento de cadeias de suprimento em energias, R$ 52 bilhões para diversificação de exportações, R$ 34 bilhões para produção sustentável e R$ 7 bilhões para inovação.

Só a linha de crédito BNDES Revitaliza, que tem como objetivo apoiar os setores mais afetados pela competição com a China, terá à disposição R$ 6,7 bilhões, com taxas de juros de 8,7% para as grandes empresas e 6,5% para as micro e pequenas. O programa terá validade até 31 de dezembro do ano que vem.

Veja todas as medidas do plano “Brasil Maior”, publicadas no site do Ministério do Desenvolvimento:

1) Estímulos ao investimento e à inovação – Desoneração tributária

. Redução de IPI sobre bens de investimento:

– Extensão por mais 12 meses da redução de IPI sobre bens de capital, materiais de construção, caminhões e veículos comerciais leves.

. Redução gradual do prazo para devolução dos créditos do PIS-Pasep/Cofins sobre bens de capital:

– De 12 meses para apropriação imediata.

2) Financiamento ao investimento

. Extensão do PSI (Programa de Sustentação do Investimento) até dezembro de 2012 (BNDES):

– Orçamento de R$ 75 bilhões

– Mantidos focos em bens de capital, inovação, exportação, Pro-Caminhoneiro.

– Novos setores/programas: componentes e serviços técnicos especializados; equipamentos TICs; ônibus híbridos; Proengenharia; Linha Inovação Produção.

. Ampliação de capital de giro para MPMEs BNDES Progeren:

Novas condições de crédito e prazo

– Orçamento: de R$ 3,4 para R$ 10,4 bilhões

– Taxa de juro: 10 a 13% a.a.

– Prazo de financiamento: de 24 para 36 meses

– Vigência prorrogada até dezembro de 2012

– Novos setores incluídos (para médias empresas): autopeças, móveis e artefatos

. Relançamento do Programa BNDES Revitaliza:

Novas condições de financiamento ao investimento

– Orçamento: R$ 6,7 bilhões

– Taxa fixa: 9%

– Vigência até dezembro de 2012

– Novo setor incluído: autopeças

. Criação do Programa BNDES Qualificação:

– Orçamento de R$ 3,5 bilhões

– Apoio à expansão da capacidade de instituições privadas de ensino técnico e profissionalizante reguladas pelo MEC

– Taxa de juros máxima: 8,3% a.a.

. Criação de Programa para Fundo do Clima (MMA)/BNDES:

– Recursos para financiar projetos que reduzam emissões de gases de efeito estufa.

Financiamento à inovação

. Novos recursos para a Finep:

– Concessão de crédito de R$ 2 bilhões do BNDES para ampliar carteira de inovação em 2011. Taxa de 4% a 5% a.a.

. BNDES: crédito pré-aprovado planos de inovação empresas

– Inclusão de planos plurianuais nas linhas de inovação das empresas do BNDES Limite de Crédito Inovação.

. BNDES: ampliação dos programas setoriais

– Ampliação de orçamento e condições de acesso aos programas setoriais na renovação: Pro-P&G, Profarma, Prosoft, Pro-Aeronáutica e Proplástico, quando da sua renovação.

. BNDES: Financiamento para redução de emissões

– Apoio ao desenvolvimento tecnológico e à comercialização de bens de capital com selo de eficiência energética do Inmetro e para linhas de equipamentos dedicados à redução de emissões de gases de efeito estufa (Fundo Clima – MMA).

Marco legal da inovação

. Encomendas tecnológicas:

– Permitir contratos com cláusulas de risco tecnológico previstas na Lei de Inovação.

. Financiamento a ICTs privadas sem fins lucrativos:

– Permitir inclusão de projetos de entidades de ciência e tecnologia privadas sem fins lucrativos na utilização dos incentivos da Lei do Bem.

. Ampliar o atendimento das fundações de apoio às ICT:

– Permitir que as fundações de apoio atendam mais de uma ICT.

. Modernização do Marco Legal do Inmetro:

– Ampliação no controle e fiscalização de produtos importados.

– Ampliação do escopo de certificação do Inmetro.

– Implementação da “Rede de Laboratórios Associados para Inovação e Competitividade”.

– Maior facilidade em parcerias e mobilização de especialistas externos.

. Financiamento P&D (Lei nº 12.431):

– Incentivo a investidores de títulos mobiliários de longo prazo e Fundos de Participação voltados para projetos de investimentos em PD&I (redução de alíquota do IR incidente sobre os rendimentos auferidos pelo aplicador).

3) Comércio Exterior

Desoneração das exportações

. Instituição do Reintegro:

– Devolução de créditos de PIS/COFINS até 4% do valor exportado de manufaturados acumulados na cadeia produtiva, que hoje não dão direito a crédito.

. Ampliar o ressarcimento de créditos aos exportadores:

– Mais agilidade aos pedidos de ressarcimento de R$ 13 bilhões dos 116 maiores exportadores.

– Processamento automático dos pedidos de ressarcimento e pagamento em 60 dias a empresas com escrituração fiscal digital, a partir de outubro de 2011.

– Escrituração fiscal digital obrigatória, a partir de março de 2012.

Defesa comercial

. Intensificação da defesa comercial: antidumping, salvaguardas e medidas compensatórias:

– Redução de prazos: de 15 para 10 meses (investigação) e de 240 para 120 dias (aplicação de direito provisório).

. Combate à circunvenção:

– Extensão de direitos antidumping ou de medidas compensatórias a importações cujo objetivo seja reduzir a eficácia de medidas de defesa comercial em vigor.

. Combate à falsa declaração de origem:

– Indeferimento da licença de importação no caso de falsa declaração de origem, após investigação.

. Combate a preços subfaturados:

– Fortalecimento da fiscalização administrativa dos preços das importações, para identificação de casos de subfaturamento.

. Aperfeiçoamento da estrutura tarifária do Imposto de Importação com foco na Política:

– Apoiar, no âmbito do Mercosul, a proposta de criação de mecanismo para permitir aumento do imposto de importação.

. Aumento da exigência de certificação compulsória:

– Instituição (ou ampliação) de tratamento administrativo para importações de produtos sujeitos à certificação compulsória e fortalecimento do controle aduaneiro desses produtos, mediante cooperação entre Inmetro, Secex e Receita Federal.

. Fortalecimento do combate a importações ilegais:

– Acordo de cooperação MJ-MDIC para combater a violação de propriedade industrial e de certificação compulsória

. Suspensão de ex-tarifário para máquinas e equipamentos usados:

– Revisão da Resolução CAMEX suspendendo a concessão de ex-tarifário para bens usados.

. Quadruplicar o número de investigadores de defesa comercial:

– Ampliar de 30 para 120 o número de investigadores de defesa comercial.

Financiamento e garantia para exportações

. Criação de Fundo de Financiamento à Exportação de MPME – Proex Financiamento:

– Fundo de natureza privada criado no BB para empresas com faturamento de até R$ 60 milhões.

– A União é o principal cotista (aporte inicial), mas outras instituições poderão fazer parte do fundo.

– Alimentado com os retornos futuros do Proex Financiamento.

– Aprovação na alçada do BB.

– FGE: sistema informatizado para emissão de apólice on line BB.

. Enquadramento automático Proex Equalização:

– Definição de spreads de referência que terão aprovação automática nas exportações de bens e serviços.

– Empresas com faturamento de R$ 60 a R$ 600 milhões continuarão com condições de financiamento equiparadas ao Proex Financiamento.

. FGE limite rotativo instituições financeiras – países de maior risco:

– Fundo de Garantia à Exportação com limite de US$ 50 milhões ao ano para exportação de bens manufaturados.

Promoção comercial

. Entrada em vigor do Ata-Carnet:

– Facilitação da circulação dos bens em regime de admissão temporária (sem a incidência de tributos).

. Estratégia Nacional de Exportações:

– Adoção de estratégia de promoção comercial por produtos/serviços prioritários em mercados selecionados e adoção dos Mapas de Comex por Estado.

Defesa da Indústria e do Mercado Interno4) Desoneração da folha de pagamento

Projeto piloto até 2012, terá medidas acompanhadas por um comitê tripartite formado por governo, sindicatos e setor privado. Setores intensivos em mão-de-obra:

– Confecções

– Calçados e artefatos

– Móveis

– Software

5) Regime especial setorialAutomotivo: criação de um novo regime

– Incentivo tributário como contrapartida ao investimento, agregação de valor, emprego, inovação e eficiência.

– Assegurado os regimes regionais e acordo do Mercosul.

6) Compras governamentais

Regulamentação da Lei 12.349/2010:

– Institui margem de preferência de até 25% nos processos de licitação para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras.

– Foco nos setores: complexo de saúde, defesa, têxtil e confecção, calçados e tecnologia da informação e comunicação.

– As margens serão definidas levando em consideração: geração de emprego e renda e desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país.

Harmonização de políticas de financiamento

Acordo entre bancos públicos para estabelecer condições de financiamento convergentes de incentivo à produção.

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