Reforma trabalhista e orçamento

Folha de S.Paulo

Como já dizia o dominicano Jean Baptiste Henri Dominique Lacordaire, “entre os fortes e fracos, entre os ricos e pobres, entre senhores e servos, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”.

Foi nessa perspectiva que o direito do trabalho foi criado, pois para combater uma desigualdade é preciso criar outra, como afirmava o jurista uruguaio Eduardo Juan Couture.

Enquanto cidadãos e operadores do direito, nosso dever é lutar por ele, mas quando o direito se digladia com a justiça, devemos lutar por ela, para que uma sociedade humanamente viável e dignificante prevaleça em detrimento dos interesses puramente políticos e do capital.

Evidencia-se, portanto, que a reforma trabalhista é resultado de uma postura do Legislativo e do Executivo cujo escopo é refrear a atuação progressista e protetiva dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Tal proteção não pode retroagir, sendo inconstitucional qualquer tentativa tendente a revogar direitos sociais já regulamentados sem a elaboração de meios opcionais aptos a compensarem a aniquilação desses benefícios. Destaca-se, por oportuno, que a reforma não é fruto da vontade do povo, pois em termos de cidadania a população não foi ouvida.

Dentre os diversos mecanismos de escuta da opinião pública, o e-Cidadania, do Senado, revela, em consulta realizada em 11 de julho de 2017, uma discrepância enorme entre os que apoiam a proposição (16.788 votos) e os contrários a ela (172.147 votos).

Nesse sentido, como construir uma sociedade livre, justa e solidária se a classe trabalhadora paga o preço da “modernidade” e do “progresso”? De que maneira o desenvolvimento nacional será garantido sem uma gestão responsável do orçamento público e com o colapso resultante da imoralidade do Executivo e do Legislativo?

Isso sem falar da demanda por mais investimentos em transporte, educação, saúde pública e saneamento básico.

Diante do exposto, indagamos ao leitor: será que antes de aprovar, sancionar e promulgar de forma vertiginosa a reforma trabalhista, precarizando as relações de emprego, não seria o caso de promover a responsabilização dos agentes públicos que se utilizam das receitas públicas a seu bel prazer?

Como em qualquer atividade humana, a execução orçamentária precisa ser devidamente acompanhada, fiscalizada e controlada.

Para tanto, a Constituição Federal dispõe de uma seção específica para estruturar e disciplinar a matéria (artigos 70 a 75). E, na mesma linha, há a Lei de Responsabilidade Fiscal (nos artigos 43 a 59). Portanto, pode-se concluir que as finanças públicas e as normas orçamentárias brasileiras são regidas por preceitos que prezam pela justiça na arrecadação, eficiência na aplicação, transparência nas informações e rigor no controle das contas públicas, o que claramente não vem acontecendo.

ROBERTA DE OLIVEIRA SOUZA, advogada, é pós-graduada em direito e processo do trabalho pela Universidade Cândido Mendes