FONTE: Folha de S. Paulo
O processo criminal pela maior tragédia ambiental da história do Brasil, o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), foi suspenso pela Justiça Federal após pedido da defesa de ex-diretores da Samarco, que querem anular a ação
Os advogados do presidente da Samarco à época do desastre, Ricardo Vescovi, e o ex-número dois da empresa, Kleber Terra, afirmam que foram usadas provas ilícitas no processo. Ambos são réus sob acusação de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).
Eles alegam que escutas telefônicas utilizadas pela Polícia Federal e Ministério Público Federal para basear as acusações ultrapassaram o período autorizado pela Justiça.
A tramitação do processo, que foi aceito em novembro de 2016, está paralisada há um mês. A decisão não interrompe processos civis, que tratam de reparação ambiental e indenizações.
“Como se nota, as defesas dos réus Ricardo Vescovi de Aragão e Kleber Luiz de Mendonça Terra suscitaram duas graves questões que podem implicar na anulação do processo desde o início”, disse o juiz Jacques de Queiroz Ferreira, da comarca de Ponte Nova (MG), onde a ação tramita. Além de Vescovi e Terra, há outros 19 réus por homicídio com dolo eventual no caso.
Ferreira determinou que companhias telefônicas se manifestem sobre o período em que os telefones foram interceptados, para que a questão seja esclarecida.
“Entendo que o andamento do feito deva ser suspenso até que a matéria seja decidida, haja vista que eventual acatamento das pretensões poderá levar à anulação de todo o processo, tornando inúteis os atos eventualmente praticados”, afirmou, em decisão assinada no dia 4 de julho.
Procurado, o Ministério Público Federal diz que “não procede” informação sobre a possibilidade de escutas terem sido usadas ilegalmente, “pois as interceptações usadas na denúncia estão dentro do prazo legal”.
“As interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam o condão de causar nulidade no processo penal”, diz a Procuradoria, em nota.
“Mesmo assim, respeitando o direito de defesa, o MPF concordou em esclarecer a questão e pediu, como mostra a decisão, que fossem oficiadas as companhias telefônicas para que ‘esclareçam os períodos de efetivo monitoramento de cada terminal'”. O Ministério Público também pedia que o processo não fosse interrompido, mas o juiz não acatou.
A defesa de Vescovi e Terra foi procurada, mas ainda não se manifestou. A Samarco informa que não irá se manifestar.
A Polícia Federal de Minas Gerais diz que não foi comunicada, oficialmente, sobre o fato pela Justiça.
AÇÃO
No processo, a Samarco, suas donas, a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, e 21 pessoas são acusadas de homicídio com dolo eventual pela morte de 19 pessoas no desastre, ocorrido em 5 de novembro de 2015. Elas têm dito que os procuradores desprezaram provas apresentadas durante a investigação.
Vale, BHP Billiton e Samarco também foram acusadas por crime ambiental –contra a fauna, flora, poluição e contra o ordenamento urbano. A empresa VogBR, que inspecionava a barragem, e um dos seus engenheiros respondem pelo crime de falsificação de laudo ambiental.
PEDIDOS NEGADOS
Outros pedidos do Ministério Público Federal contra os réus também foram negados pelo juiz Jacques de Queiroz Ferreira.
No dia 14 de julho, o magistrado indeferiu solicitações de medidas cautelares, como fiança, entregas de passaporte e proibição de viajar para fora do país.
Segundo ele, não há nos autos elementos que atestem que os réus tenham “tomado atitudes visando obstruir o andamento da ação penal” que justifiquem as medidas.
Ainda diz que a própria Procuradoria “reconheceu que o processo, por sua complexidade, deverá levar alguns anos até se alcançar sua solução definitiva”, o que tornaria “insustentável a manutenção da medida de proibir os acusados de se ausentarem do país ou de terem que se dirigir ao Judiciário diuturnamente para requestar autorizações para viagens”.
O rompimento de Fundão derramou 35 bilhões de litros de rejeitos de minério em 5 de novembro de 2015. Além de matar 19 pessoas, a lama destruiu povoados e poluiu 650 km entre Mariana e o litoral do Espírito Santo.