Folha SP
Cultura de compartilhar produtos ganha força entre consumidores e induz programas de grandes empresas
Para especialista, novos hábitos criam uma economia em que o acesso e o uso valem mais do que a posse
ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Misture um pouco de escassez dos recursos naturais, uma pitada de consumo consciente, adicione o veloz avanço das redes sociais e das tecnologias de código aberto (“open source”).
O resultado dessa receita é o que muitos especialistas classificam como uma autêntica revolução no modo como se consomem e se usam produtos e serviços na sociedade: a economia compartilhada, ou economia “mesh” (rede, em inglês). É uma mudança e tanto. Indica que diversos produtos e serviços hoje consumidos individualmente podem ser acessados de maneira coletiva, sem que isso represente perdas de qualidade ou de satisfação do usuário. Pelo contrário: resolve problemas gerados justamente pelo excesso do uso individual. Caso, por exemplo, do trânsito caótico nos grandes centros urbanos.
“Estamos falando da transição de uma economia fortemente lastreada na propriedade para uma economia do compartilhamento, em que o acesso e o uso valem mais do que a posse, com a vantagem de não termos as preocupações associadas à propriedade”, afirma Victor Viñuales, diretor da fundação espanhola Ecodes (Ecologia e Desenvolvimento).
Serviços de compartilhamento de automóveis e bicicletas, espaços de trabalho coletivos, ferramentas para uso geral em condomínios, e até compartilhamento de bolsas de luxo ganham espaços nunca antes imaginados, graças à facilidade de acesso e troca nas redes sociais.
Conhecimentos e habilidades pessoais também funcionam como moeda de troca nesse ambiente de compartilhamento. É o caso do Circuito Fora do Eixo, uma rede de coletivos artísticos que, com base no conceito de trabalho colaborativo, foi criada para produzir e divulgar shows de bandas independentes. Com somente cinco anos de existência, conta atualmente com representações em 26 Estados brasileiros e viabiliza dezenas de produções artísticas anualmente.
GRANDES EMPRESAS
A tendência também começa a chamar a atenção de grandes empresas. No Japão, a Toyota anunciou um ambicioso projeto de compartilhamento de carros elétricos entre vizinhos a partir do ano que vem. Em março deste ano, a BMW anunciou com pompa seu programa de compartilhamento de automóveis, o DriveNow. Na Europa, as empresas de compartilhamento de bicicletas finalmente saíram do vermelho.
“É um olhar complemente novo sobre como utilizamos as estruturas disponíveis na sociedade, ou seja, como utilizamos o ´hardware´, o tangível, no qual a economia dos séculos 19 e 20 sempre foi fortemente lastreada. Estamos falando agora de uma economia cujo maior valor está nos intangíveis, ou seja, no ´software´”, afirma Lala Deheinzelin, especialista em Economia Criativa e Sustentabilidade. Mais do que um sonho coletivo, a ideia da economia compartilhada tem uma base fundamentalmente econômica, que é o aproveitamento eficiente dos produtos e serviços oferecidos na sociedade.
O conceito é uma resposta e tanto para um dos maiores desafios do desenvolvimento sustentável: atender os anseios de consumo da base da pirâmide social em um cenário de escassez dos recursos naturais.