Para 79% da população, o Estado tem o dever de reduzir as desigualdades

CartaCapital

Sete em cada dez brasileiros apoiam ainda o aumento de impostos sobre os “super-ricos” para financiar educação, saúde e moradia

A despeito da intensa campanha midiática em prol da austeridade e da contenção de gastos públicos, a grande maioria da população rejeita o Estado mínimo. Oito em cada dez brasileiros acredita que o governo deve atuar para reduzir a disparidades entre ricos e pobres, revela a pesquisa “Nós e as Desigualdades”, encomendada pela ONG Oxfam Brasil ao Instituto Datafolha.

Além disso, 82% dos entrevistados esperam que a União tenha como prioridade diminuir as discrepâncias regionais e que o governo federal transfira recursos aos estados para melhorar os serviços públicos.

A pesquisa consultou 2.025 brasileiros de 129 municípios de pequeno, médio e grande portes, incluindo regiões metropolitanas e cidades do interior, em agosto de 2017. A margem de erro dos dados apresentados nessa matéria é de dois pontos porcentuais.

O estudo também coloca em xeque a tese de que o brasileiro é contra os impostos em qualquer circunstância. Embora a maioria rejeite a elevação de tributos para o conjunto da sociedade, 71% dos entrevistados se declaram favoráveis a aumentar a carga para os “muitos ricos”, de forma a ampliar o financiamento público em áreas como educação, saúde e moradia. A Oxfam considera como “muito ricos” aqueles pertencentes ao 0,1% da população, com ganhos a partir de 80 salários mínimos.

Esse grupo, do 0,1 % mais ricos, beneficia-se com 66% de isenções de impostos, segundo os cálculos da entidade. A chamada classe média (com rendimento mensal entre três e 20 salários), tem apenas 17% de isenção, em média. A injustiça tributária reforça as disparidades. Como demonstrou o relatório “A distância que nos une”, divulgado pela Oxfam Brasil em setembro, um trabalhador com um rendimento mensal de salário mínimo levaria 19 anos para juntar o que um “super-rico” ganha em um mês.

“Os pobres e a classe média têm a percepção de que pagam muitos impostos, mas acham justo elevar os tributos dos muito ricos”, afirma Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil. “Da mesma forma, os brasileiros rejeitam a ideia de um Estado mínimo. Acreditam que o governo deve investir para melhorar os serviços públicos, para diminuir as desigualdades. Isso vai na contramão da atual política econômica. Quando o governo propõe o teto dos gastos, ele congela por 20 anos os investimentos sociais”.

Pessimismo em relação ao futuro

Nos últimos tempos, o Brasil parecia disposto a se reconciliar com as camadas mais vulneráveis da população. Em 2014, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura celebrava, em seu relatório de segurança alimentar, a exclusão do País do mapa da fome. Desde a virada do século XXI, mais de 15,6 milhões de brasileiros haviam superado o drama da subalimentação, reduzida a parcela residual da sociedade.

De acordo com o Banco Mundial, ao menos 29 milhões de cidadãos saíram da condição de pobreza entre 2003 e 2014. Nesse mesmo período, o nível de renda dos 40% mais pobres aumentou, em média, 7,1% em termos reais, enquanto o da população geral cresceu 4,4%.

g1_descrenca.jpgA despeito do inegável avanço social, ainda existe uma percepção geral de que a desigualdade entre ricos e pobres não diminuiu nos últimos anos. Sem enxergar o que melhorou no passado, o brasileiro mantém-se pessimista em relação ao futuro. Dois terços dos entrevistados discordam, em algum grau, de que haverá redução das disparidades sociais.

A descrença é ainda maior quando o entrevistado é estimulado a refletir sobre as medidas que têm sido adotadas pelo atual governo. Apenas 8% acreditam na redução das desigualdades com a atual agenda política. Para 46%, as iniciativas do governo não irão alterar o cenário e, para 42%, as disparidades sociais irão aumentar.

A “meritocracia” em xeque

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Para a maioria dos brasileiros, o mérito pessoal não explica as desigualdades. Cerca de 60% dos entrevistados discordam que os pobres que trabalham muito têm iguais oportunidades na comparação com os ricos e pouco mais da metade (55%) não acredita que crianças pobres com estudo têm oportunidades iguais àquelas de crianças ricas.

“Mesmo que todas as crianças tenham acesso à educação, há o sentimento de que pobres e ricos não terão as mesmas chances”, observa Georges. “Parece-me uma percepção acertada, pois os estudos indicam diversos fatores com influência sobre as desigualdades, entre eles o gênero, a raça e o acesso a serviços essenciais, como saneamento”.