Almir Pazzianotto Pinto
O tema caiu um injusto esquecimento e, quando nele se toca, é para
propor algo que não tem a ver com os assalariados
“As raízes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço provavelmente são ignoradas por parte das novas gerações de trabalhadores, empregadores, advogados, sindicalistas.
Foi durante o governo Castelo Branco que a nasceu a ideia da extinção da estabilidade no emprego, conquistada por empregados com mais de dez anos de serviço na mesma empresa, e da indenização proporcional à antiguidade.
Contra a estabilidade dizia-se que se transformara em fator desestimulante da produtividade. Quanto à indenização, não eram incomuns casos de empregados dispensados, e que experimentariam enormes dificuldades até conseguirem ser indenizados e, não raras vezes, jamais conseguiriam por as mãos no dinheiro, desaparecido, por exemplo, em processos falimentares. Caberia ao Fundo garantir ao demitido, ou aposentado, acesso à poupança gerada por depósitos mensais compulsórios dos empregadores.
Parcela do movimento sindical tentou impedir que o projeto fosse aprovado no Congresso Nacional, mas foi vencida, em parte porque a maioria dos dirigentes não tinha ânimo para contestar o regime militar, e a minoria disposta a lutar viu-se rapidamente sobrepujada.
Em 13 de setembro de 1966 foi, afinal, sancionada a Lei 5.107, regulamentada pelo Decreto 59.820, para entrar em vigor no dia 1º de janeiro de 1967. Esmagadora maioria de assalariados optou pelo FGTS, voluntariamente ou sob pressão patronal.
A Lei 5.107 dividiu os trabalhadores em optantes e não optantes, e definiu o Fundo, no art. 11, como conjunto das contas vinculadas, cujos recursos seriam aplicados, com correção monetária e juros, de modo a assegurar cobertura de suas obrigações, cabendo sua gestão ao Banco Nacional da Habitação (BNH).
Antes da instituição do FGTS o governo criara, em agosto de 1964, o BNH, destinado a ser gestor e financiador de política destinada a promover a construção e a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda, e a ampliar e dinamizar a geração de empregos na construção civil.
O BNH nasceu, porém, sem dinheiro, o que levou os idealizadores do FGTS a encaminhar imensos recursos, captados entre os empregadores, ao financiamento de conjuntos e edifícios habitacionais.
Coube à Constituição de 1988 liquidar a divisão entre optantes e não optantes e universalizar o FGTS. Os assalariados passaram, desde então, a ter o tempo de serviço garantido pelos depósitos em conta vinculada, cujos valores atualizados e corrigidos passaram a ser acrescidos de 40%, nas demissões injustas.
A Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, afastou a Lei nº 5.107. A legislação em vigor diz que o Fundo é constituído pelos saldos das contas vinculadas, regido “por normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, composto por representação de trabalhadores, empregadores e órgãos e entidades governamentais, na forma estabelecida pelo Poder Executivo”.
Trata-se, como se percebe, de fórmula heterodoxa de administração de algo que teria tudo para ser o grande banco dos trabalhadores, mas opera como fundo financeiro administrado de forma opaca, cujos recursos são aplicados de maneira obscura, e balanço – se é que existe – ignorado pelos titulares das contas.
Mesmo quem não está afeito às normas que regem o FGTS, é capaz de imaginar o volume incalculável de dinheiro, depositado mês após mês, ano após ano, nas contas de cerca de 41 milhões de integrantes do mercado formal de trabalho. Todo esse imenso volume mensal de Reais está entregue à Caixa Econômica Federal, definida pela lei como Agente Operador das normas e diretrizes fixadas pelo Conselho Curador.
Entre os envolvidos, na movimentação do FGTS, o menos beneficiado, ou mais prejudicado é o trabalhador titular das contas vinculadas. O dinheiro rende-lhe 3% nos dois primeiros anos de permanência na mesma empresa, 4% do terceiro ao quinto, 5% do sexto ao décimo, e 6% a partir do décimo ano. Qualquer instituição financeira remuneraria os depósitos com algo em torno de 10% ao ano, e ganharia muito com isso.
Porque os trabalhadores são lesados? Porque não há quem os defenda, quem fale por eles. Já não me refiro ao Conselho Curador, mas ao Congresso Nacional, aos sindicatos e partidos políticos.
Passados mais de cinquenta anos, desde a criação, é indispensável que se faça profunda revisão dos métodos de administração do Fundo, do papel do Conselho Curador, da origem dos integrantes, e da destinação do dinheiro, alvo de apetites vorazes, que dele querem se valer para aplicações obscuras.
O tema Fundo de Garantia caiu em injusto esquecimento e, quando nele se toca, é para propor algo que nada tem a ver com o interesse dos assalariados.”