O Brasil tem uma rede de proteção ao trabalhador distribuída por 16 programas e que custa quase R$ 200 bilhões ao ano – divididos entre governo e empresas – cerca de 4% do PIB. O sistema é generoso, segundo pesquisadores, mas ineficiente. Com o mesmo volume de recursos, poderia garantir uma renda mais estável, especialmente para aqueles de menor renda. A conclusão é do estudo “Rede de Proteção ao Trabalhador no Brasil: Avaliação Ex-Ante e Proposta de Redesenho”, apresentado ontem durante evento da série “Propostas de Reformas para Destravar o Brasil” da Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV).
O trabalho, liderado pelo professor Ricardo Paes de Barros, do Insper, propõe o redesenho, sem ampliação de custos, dos 16 programas, sendo os principais o Bolsa Família, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS – benefício que mais pesa na rede de proteção), o seguro-desemprego e o abono salarial.
Essa rede foi construída ao longo de mais de 50 anos sem articulação entre os programas, muitos deles sobrepostos, diz o estudo. É o caso do segurode semprego e do FGTS, e do abono salarial e do salário-família. Assim, parte dos trabalhadores, principalmente os formais, tem direito a benefícios negados a outros, mais vulneráveis.
“Hoje, há uma série de programas e, em alguns casos, um acaba tirando a força do outro”, afirma André Portela, da EESP-FGV, um dos autores. Ele observa que a discussão sobre o redesenho da rede de proteção tem sido feita há vários anos, mas é a primeira vez que um estudo analisa esses programas individualmente e os articula numa proposta geral. “A rede nunca foi pensada como um sistema integrado de proteção.”
Segundo o estudo, cerca de 75% dos recursos disponíveis vão para os 45% da população empregada em vagas formais. Os 55% restantes estão, em grande medida, excluídos de 12 dos 16 programas identificados. Um dos desafios é levar ao menos parte dessa população para o mercado formal e também redesenhar a rede para que os mais vulneráveis tenham prioridade.
O Bolsa Família é o único programa na rede de proteção em que o beneficiário não precisa estar empregado para participar. Os pesquisadores propõem uma seleção mais criteriosa dos beneficiários, com a incorporação de um conjunto maior de informações, e não apenas a renda declarada, e com base em um sistema de visitas domiciliares.
Segundo exercício feito pelos pesquisadores, a melhora na distribuição do Bolsa Família renderia uma economia que poderia ser transferida aos 15% mais pobres – renda familiar mensal per capita inferior a R$ 200. Cada família beneficiada passaria a receber R$ 2,4 mil ao ano, em vez de R$ 2 mil. Em outra mudança sugerida, o trabalhador, ao conseguir emprego, não perderia o benefício imediatamente, como ocorre hoje, mas o valor seria reduzido ao longo de dez meses.
Em um dos eventos realizados pela FGV para discutir a proposta, Barros, um dos criadores do Bolsa Família, argumentou que a falta de regras claras de entrada e saída do programa desincentiva o trabalhador a aceitar empregos formais sob o risco de perder o benefício e precisar dele logo depois. “A proposta é: uma vez no Bolsa Família, para sempre do Bolsa Família, sempre que precisar”, disse o economista. O mecanismo de retorno garantido é previsto no programa, mas nunca foi efetivado, afirmou.
Segundo Portela, é importante gerar estímulos para que trabalhadores de baixa produtividade entrem e se mantenham no mercado para tornaram-se economicamente autônomos. Outra mudança que poderia ajudar é introduzir uma suplementação salarial para trabalhadores de menor renda, como existe em outros países, como Canadá, Austrália, Reino Unido, etc. No caso brasileiro, seria um benefício público adicional ao valor pago pelos empregadores.
O salário-família e o abono salarial já fazem isso, mas seriam unificados. O benefício seria pago a quem ganha até 1,5 salário mínimo -no mesmo ano e não no seguinte, como se faz hoje com o abono, e nos meses em que o indivíduo trabalhou. O sincronismo entre trabalho e recebimento do benefício seria bom para o consumo e um incentivo à permanência no trabalho, afirma o estudo. Também seria retirada a exigência de que o benefício só possa ser recebido pelo trabalhador que estiver há pelo menos cinco anos no emprego.
Outra proposta, mais complexa, é a fusão do seguro-desemprego com o FGTS – os dois programas têm o mesmo objetivo, dar renda ao desempregado – e a criação de um fundo de poupança compulsória individual, com rendimento a juros de mercado. “Isso mitigaria o anseio por liquidez e o incentivo para buscar a demissão”, diz o estudo. A taxa de poupança seria mais elevada nos primeiros meses de trabalho. Assim, esse novo fundo-poupança acumularia mais rapidamente que o atual FGTS até um limite de 12 salários.
Para trabalhadores de menor renda essa poupança seria reforçada com parte do abono salarial. Acumulado o limite, a contribuição do empregador poderia ser incorporada à remuneração do funcionário. O fundo teria o papel de uma poupança para prover renda nos momentos de desemprego.
Segundo Portela, o estudo foi feito respeitando o padrão atual de gastos da rede de proteção ao trabalho. “Gastos maiores ou menores teriam de partir de uma decisão da sociedade”, afirma, lembrando que várias das alterações teriam que passar pelo Congresso.