Reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro, começa a pegar

Trabalho intermitente e demissões por acordo avançam. Valores pedidos em ações caem 57%

POR GERALDA DOCA / MARCELLO CORRÊA

BRASÍLIA E RIO – A reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro, ainda é cercada por incertezas, com a provável expiração da medida provisória que esclareceu alguns temas mais polêmicos. Mas as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já começa a mexer com o dia a dia de trabalhadores e empresas. Na geração de emprego, o impacto é principalmente nos novos tipos de contrato.

Segundo balanço do Ministério do Trabalho (MTE), 13.858 vagas foram abertas de novembro a fevereiro, somando o trabalho intermitente, criado pela nova legislação e que permite a contratação por hora, e a jornada parcial (menos que 44 horas semanais), ampliada pela reforma.

Outra novidade da mudança na lei, a demissão por acordo entre patrões e empregados, já soma 27.118 casos. Enquanto isso, regras mais duras para quem perde ação na Justiça resultaram não só na redução do número de processos, como em pedidos mais cautelosos: os valores médios solicitados chegaram a cair 57%, segundo advogados consultados pelo GLOBO.

Sem MP, intermitente deve crescer mais

Só em fevereiro, foram 5,7 mil postos de trabalho intermitente, quase 10% do saldo total do mês, de 61 mil vagas. De acordo com o levantamento, a demissão por acordo está em alta, tendo saído de 855 em novembro para 11 mil em fevereiro. Esse mecanismo foi introduzido pela reforma para evitar demissões forjadas, acertadas entre empregados e patrões apenas para sacar o FGTS e acessar o seguro-desemprego. Pelo desligamento acordado, quem for demitido em comum acordo com o patrão não tem direito ao seguro desemprego e pode sacar 80% do FGTS. O valor do aviso prévio, e o da multa cai pela metade.

Os contratos parciais de trabalho também passaram de 227 em novembro para 3.683 em fevereiro. A modalidade já existia, mas com jornada limitada a 24 horas (mais duas horas extras). Com a reforma, a carga horária poderá chegar a 32 horas semanais. Segundo Ivo Dall’Acqua Júnior, diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o ajuste tornou esse tipo de contrato mais atrativo.

Já os contratos intermitentes responderam em novembro por 3.067 contratações com carteira assinada. Mas, depois da emissão da medida provisória (MP) 808, que tornou maior rigoroso esse tipo de contratação, as empresas passaram a admitir menos trabalhadores na modalidade. Em fevereiro, o saldo ficou em 2.089 postos.

Porém, segundo especialistas, com a possibilidade de caducidade da MP no fim deste mês, os contratos intermitentes devem crescer em todos os setores da economia, extrapolando os ramos que costumam demandar trabalhadores ocasionais, como eventos e turismo. Educação, saúde, lazer, clubes, atividades culturais são segmentos com grande potencial de contratação, disse Ivo Dall’Acqua.

O diretor jurídico da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Wolnei Tadeu Ferreira, diz que o resultado dos empregos nas modalidades criadas pela reforma são bons, embora seja pequeno em relação ao volume de mão de obra formal de 35 milhões de trabalhadores. Com a recuperação da economia, destacou, a tendência é de melhora.

Para o especialista Emerson Casali, o efeito imediato da mudança foi a queda acentuada nas ações trabalhistas.

— Não há dúvida de que a reforma reduziu o risco e a insegurança jurídica — destacou Casali.

Nos tribunais, a nova lei “enxugou” processos, como se diz no jargão jurídico. Os dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já mostram redução de 45% no número de ações, e a percepção é que os pedidos também estão mais restritos. Segundo levantamento do escritório Campos Mello Advogados, feito a pedido do GLOBO com base em cerca de mil casos recebidos até março, os valores pedidos nos processos recuaram 57% em relação ao período anterior à mudança na legislação. Nessa base de dados, o número de ações caiu 75%. O escritório atende a empresas de vários setores.

— Entendemos que isso já é reflexo da reforma trabalhista — afirmou o advogado Maurício Tanabe, sócio do escritório Campos Mello, que cita, como outro efeito da reforma, o aumento dos pedidos de consultoria por empresas que querem adotar as novas regras.

O movimento é observado em outros escritórios. Luiz Marcelo Góis, sócio da área trabalhista do BMA, conta que era comum receber petições com todos os pedidos possíveis, regra que mudou após a reforma. Agora, vê redução de valores na proporção do observado pelos colegas. Pela nova legislação, quem perder a ação é obrigado a pagar os honorários do advogado da outra parte. O valor vai de 5% a 15% e é cobrado sobre cada pedido da ação. Na prática: quanto mais itens forem incluídos, maior o risco.

— Vi especial redução nos pedidos de adicional por insalubridade, desvio de função, dano moral caiu vertiginosamente. De um modo geral, tinha quase o alfabeto inteiro de pedido da petição inicial — destacou Góis.

Ele lembra, no entanto, que a tendência pode ser revertida, dependendo da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada em agosto pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que questiona a cobrança dos honorários de sucumbência.

A advogada Juliana Bracks também vê mudanças, inclusive em seu dia a dia. Recentemente, uma cliente que se defende de um processo protocolado pela ex-empregada doméstica sugeriu entrar com uma reconvenção — espécie de “contra-ataque” de quem está se defendendo de um processo. A ideia era cobrar R$ 30 mil por danos morais contra a empregada. Juliana dissuadiu a cliente da ideia, justamente baseada na possível sucumbência.

— Advogado responsável vai avaliar: tem prova, tem testemunha? Não tem, não pede. Dano moral sem testemunha vai perder — resume Juliana.

Profissionais que defendem empregados e sindicatos confirmam que a postura é de mais cautela, mas criticam o que consideram ser uma restrição ao acesso à Justiça. É essa a posição do advogado Luiz Alberto Rodrigues Pinto, que atua há 28 anos no setor:

— O que é mais duro é ver o trabalhador renunciar a seu direito com medo de possível derrota por falta de provas. Pontualmente, poderia ter um advogado ou reclamante aventureiro. Mas os juízes percebiam absurdos.