Parcela mais rica tem aumento de 10,8% e amplia fosso
Na lenta saída da recessão, os 40% mais pobres da população brasileira perderam renda, enquanto as camadas intermediárias e de rendimento mais alto recuperaram ganhos no primeiro trimestre. Com essa disparidade, a desigualdade no país se agravou, numa tendência que não deve se reverter no curto prazo.
A renda média mensal dos 20% mais vulneráveis caiu de R$ 400 no primeiro trimestre de 2017, para R$ 380 de janeiro a março deste ano, queda real de 5%. Para a camada seguinte, a perda de rendimento foi de 1,8% em igual intervalo, de uma média de R$ 963, para R$ 945.
Já na ponta superior da escala social, os 20% mais ricos viram seu ganho médio mensal passar de R$ 5.579 para R$ 6.131, aumento de 10,8% na comparação anual. A camada seguinte, de cima para baixo, foi a que mais recuperou rendimentos no intervalo, com crescimento de 11%, de R$ 1.809 para R$ 2.007. No meio do caminho, quem tinha renda média de R$ 1.255 no começo de 2017, passou a ganhar 4,3% mais, chegando a R$ 1.309. Todas as variações são em termos reais, ou seja, já descontada a inflação.
Como os ricos ficaram mais ricos e os pobres, mais pobres, a renda média da parcela mais desassistida, que equivalia a 7,4% do rendimento médio da fração mais abastada no primeiro trimestre de 2016, caiu a 7,2% no mesmo período de 2017 e a 6,2% no início deste ano.
Os dados constam de estudo feito pelo economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a pedido do Valor. O levantamento foi elaborado a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O que está acontecendo é o seguinte: as classes média e alta do Brasil estão conseguindo recuperar a renda do trabalho, só que a base da pirâmide ainda está amargando perdas”, afirma Duque. Segundo o economista, em situações de crise, há naturalmente um aumento da desigualdade, pois os empregados mais dispensáveis na perspectiva das empresas são aqueles menos qualificados. “Com isso, há uma redução da demanda relativa por trabalho pouco qualificado e isso vai comprimindo os salários mais baixos”, diz o especialista.
Segundo Duque, esse tipo de dinâmica demora para se reverter. “A crise pode ter até passado, a situação parou de piorar realmente, mas a economia não está ‘bombando’. Vai ser difícil mudar a dinâmica relativa do trabalho não qualificado pelo menos até o fim do ano”, avalia.
Como resultado do comportamento díspar da renda para os mais ricos e os mais pobres, o índice de Gini da renda do trabalho teve uma alta, ou seja, uma piora, de 0,5648 no primeiro trimestre de 2017, para 0,5684 de janeiro a março deste ano, num avanço de 0,0036. O indicador, usado para medir a desigualdade social, varia de 0 a 1 – quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade.
Considerando apenas a população empregada, houve aumento ainda maior da desigualdade. O índice de Gini da renda do trabalho, excluindo desempregados, passou de 0,4937 nos três primeiros meses do ano passado, para 0,5014 este ano, crescimento de 0,0077. Ambas as métricas haviam piorado de forma mais aguda ao longo de 2016, no auge da crise, mas continuaram a subir no ano passado, ainda que de maneira um pouco mais suave.
Segundo Duque, essa desaceleração se deve à retomada gradual do emprego ao longo de 2017. “Muita gente que estava ganhando zero começou a ganhar alguma coisa, isso vai diminuir a desigualdade. Mas, entre os empregados, a distância salarial está aumentando”, destaca.
O economista avalia que, ao longo de 2018, com a perspectiva de que o comércio – que emprega trabalhadores menos qualificados – tenha desempenho melhor do que a indústria, essa tendência de piora da desigualdade pode continuar a se suavizar. No entanto, sem sinais de reação na construção e no setor de serviços, não deve haver uma reversão de tendência.
O desemprego dos menos escolarizados na recessão foi o principal fator para reversão do movimento histórico de redução da desigualdade no Brasil a partir de 2015, acredita o pesquisador da FGV. Antes disso, o efeito da universalização do ensino na década de 1990, o bônus demográfico e o forte crescimento econômico dos anos 2000, com grande demanda por serviços e construção, foram responsáveis por uma prolongada queda da desigualdade durante anos.
Para seus cálculos, o economista da FGV considerou o rendimento real de todos os trabalhos, habitualmente recebido por mês. Segundo Duque, a renda do trabalho corresponde a cerca de 70% do rendimento das pessoas e é o grande determinante na questão da desigualdade. Apesar de divulgada trimestralmente, a Pnad Contínua só pergunta aos moradores dos domicílios sobre seus rendimentos além do trabalho a cada final de ano.
Para realizar o estudo, o economista retirou da amostra um milionário cuja renda muito alta tem distorcido a leitura dos dados da Pnad. Ao entrar na pesquisa no último trimestre de 2016, esse milionário provocou um aumento artificial na desigualdade. De igual maneira, ao sair da amostra no primeiro trimestre de 2018, provocou uma melhora artificial nos indicadores de concentração de renda.
Segundo Duque, seria interessante que o IBGE filtrasse esse “outlier”, termo usado para pontos fora da curva em pesquisas, que distorcem as interpretações estatísticas. O IBGE já informou que criou um grupo de trabalho para avaliar formas de tratar os “outliers” em pesquisas amostrais, com participação da Escola Nacional de Ciências Estatísticas.