Incremento da automação vai exigir cada vez menos trabalhadores, que precisam se requalificar para atuar justamente no desenvolvimento de novas tecnologias
Debatedores defenderam políticas públicas de longo prazo para o setor industrial, em tempos de revolução tecnológica
São Paulo – Representantes dos trabalhadores do chamado macrossetor industrial da CUT– metalúrgicos, químicos, construção, energia, vestuários, alimentos, dentre outros – se reuniram em São Paulo com especialistas para debater os desafios para o setor, em meio a um cenário marcado pela desindustrialização que se arrasta nas últimas décadas e frente a um horizonte de transformações tecnológicas que impõem novos desafios no âmbito da chamada indústria 4.0.
O seminário de dois dias iniciado nesta quarta-feira (13) é uma iniciativa conjunta da CUT, do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID-Brasil) e da Fundação Perseu Abramo (FPA) , e faz parte da elaboração de propostas para o setor industrial que devem compor o programa de governo da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na abertura do seminário, a coordenadora do macrossetor, Cida Trajano, destacou a necessidade da elaboração de estratégias capazes de unir trabalhadores, empresários e agentes públicos para “tirar o Brasil do buraco e recolocá-lo na trilha do desenvolvimento econômico”.
Representando o setor industrial da Força Sindical, Mônica Veloso destacou o “galope do neoliberalismo”, que submeteu recentemente 121 países a um modelo de reforma trabalhista que produziu o aumento da exploração do “capital humano”. Ela também afirmou que a campanha por Lula Livre é uma luta de todos os trabalhadores.
O diretor-executivo da FPA, Artur Henrique, ex-presidente da CUT, afirmou que o governo Temer, além de acabar com direitos constituídos desde a Era Vargas, não tem tem projeto para o setor industrial, responsável pelos empregos com os melhores rendimentos. Já o presidente do TID-Brasil, Rafael Marques, ressaltou que mesmo políticas públicas bem-sucedidas, como o Inovar Auto – pacote de incentivos ao setor metalúrgico com vistas à criação de emprego e desenvolvimento tecnológico do setor automobilístico –, foram encerradas sem que nada fosse colocado no lugar.
O prefeito de Hortolândia (interior de São Paulo), Ângelo Perugini (PT), contou que mesmo em sua cidade, que se destaca por ter um parque industrial forte (com destaque para as empresas de informática IBM e Dell, e o laboratório farmacêutico EMS), a maior parte dos empregos advém do setor de serviços, com salários mais baixos. Ele também afirmou que qualquer discussão que hoje afeta a classe trabalhadora é prejudicada porque, segundo ele, “o Brasil está preso em Curitiba”, fazendo menção ao ex-presidente Lula.
A intermediação do debate ficou a cargo do jornalista Luis Nassif. Segundo ele, a equipe econômica do atual governo, sem visão de longo prazo, “não tem a menor ideia do que fazer”, citando como exemplo a “reforma” trabalhista que, além de retirar direitos dos trabalhadores – essa era a intenção –, também vai produzir queda na arrecadação.
Zerando o jogo
O professor de Relações Internacionais da UFABC Demetrio Toledo afirmou que o uso intensivo de tecnologias de automação no processo conhecido como indústria 4.0representa uma “janela de oportunidade” para países como o Brasil, porque “é como se o jogo estivesse começando novamente”. Hoje, segundo ele, vale mais desenvolver tecnologias voltadas para a produção de energia limpa, por exemplo, do que tentar superar a defasagem em setores baseados no petróleo e no aço, padrão tecnológico que vigorou ao longo do século 20.
Ele alertou, contudo, que a queda do emprego no setor industrial é um processo inevitável. Na sua visão, políticas industriais e de emprego precisam ser pensadas separadamente, sob pena de se privilegiar setores intensivos em mão de obra mas que já estão atrasados tecnologicamente.
Toledo destacou que a indústria 4.0 tem os Estados Unidos, a Alemanha e a China como principais polos competidores, e caberá ao Brasil buscar alianças calcadas na complementaridade para, assim tentar, “virar o jogo”. Outro complicador é que a burguesia brasileira não é nacionalista, nem tem apego às instituições democráticas, e “dão golpes como a mesma facilidade com que tomam um copo d’água”.
Trabalho tecnológico
O economista João Furtado, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), comparou as mudanças que devem ocorrer na indústria com aquelas ocorridas no campo, ao longo do século passado. Passamos a ter cada vez menos pessoas fixadas no espaço rural, mas com uma produção agrícola cada vez maior. Agora, a indústria também vai acumular ganhos de produtividade, mesmo empregando cada vez menos.
Os empregos migrarão justamente, segundo ele, para as áreas que desenvolvem essas mesmas tecnologias. “Resta saber se esses empregos serão criados aqui ou na Alemanha”, provocou Furtado.
Para o economista, a indústria não é importante apenas por conta dos melhores salários, mas justamente porque é nesse setor que nascem os processos de desenvolvimento tecnológico que vão transformar os outros setores. Ele citou o caso do agronegócio brasileiro, que se autoproclama um setor desenvolvido, mas que, segundo ele, deve a sua “pujança” aos avanços nas máquinas e fertilizantes, que foram criados pela indústria.
Para ilustrar, o professor contou anedota envolvendo uma experiente encaixotadora da indústria calçadista no sul do Brasil. Perguntada se temia que uma máquina pudesse substituí-la, extinguindo assim a sua função, ela respondeu que sabe que um dia isso vai ocorrer, mas espera que seja o seu filho aquele que vai desenvolver a nova máquina.