Por Ribamar Oliveira
Desde o ano passado, a Previdência Social está perdendo receita por causa da desoneração da folha de salários de vários setores da economia. A substituição da contribuição patronal de 20% ao INSS, incidente sobre a folha, pela nova contribuição sobre o faturamento não foi neutra. Ou seja, a alíquota definida do novo tributo não resultou na mesma arrecadação que seria obtida se a mudança não tivesse ocorrido.
A lei que autorizou a substituição de um regime pelo outro determinou, no entanto, que a União compensasse a Previdência no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da desoneração, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro previdenciário. Esta foi uma exigência de setores do próprio PT e das lideranças sindicais para aceitar a medida, pois ela pode resultar em aumento do déficit e alimentar pressões por reformas do regime previdenciário.
O problema é que, da forma como está sendo feito esse pagamento, a compensação resulta em dupla contagem de receita. A constatação desta distorção foi feita pelos consultores José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura, do Núcleo de Assuntos Econômico-Fiscais da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, a partir de análise dos demonstrativos de receitas e despesas do Tesouro Nacional e do Ministério da Previdência Social.
A desoneração da folha foi instituída pela Medida Provisória 540, de agosto de 2011. Inicialmente, os setores contemplados foram apenas o de tecnologia de informação e comunicação, indústrias moveleiras, de confecções e de artefatos de couro. As alíquotas foram definidas em 1,5% e 2,5%, dependendo da atividade. Essas alíquotas foram consideradas “salgadas” pelos empresários, pois, em alguns casos, aumentava o peso da contribuição previdenciária. A área técnica do governo, no entanto, garantiu que elas eram neutras e poderiam, até mesmo, resultar em pequena redução da arrecadação.
Na exposição de motivos sobre a desoneração que encaminhou à presidente Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu uma perda de receita com a mudança da tributação da ordem de R$ 214 milhões em 2011 e de R$ 1,430 bilhão no ano de 2012. Mantega avisou que essa perda, em 2011, seria compensada com o excesso de arrecadação do exercício.
Desde então, duas coisas mudaram. As alíquotas definidas pela MP 540 não motivaram os empresários e o governo – a partir de uma visão estratégica de que a desoneração da folha é importante para a manutenção do emprego formal e para aumentar competitividade do produto nacional diante das mercadorias importadas – decidiu promover uma redução efetiva da carga tributária das empresas contempladas com a mudança previdenciária.
Em abril de 2012, as alíquotas da nova contribuição sobre o faturamento foram reduzidas para 1% e 2%, por meio da Medida Provisória 563, e foi ampliado para cerca de 40 o número de setores beneficiados com a mudança. Quase simultaneamente, o Tribunal de Contas da União (TCU) fixou entendimento de que a compensação de benefícios tributários que resultem em renúncia de receita não pode ser feita por meio do excesso de arrecadação do exercício e nem pelo corte de outras despesas. Para atender ao disposto no Artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o TCU determinou que a compensação fosse feita pelo aumento de receita, seja pela elevação de alíquotas ou ampliação da base de cálculo de outros tributos ou criação de imposto ou contribuição.
Com base nisso, o governo foi obrigado a elevar outro tributo para compensar a desoneração da folha. O peso da compensação recaiu, principalmente, sobre as importações. Mas a área técnica do governo estima que a compensação terminou não sendo integral e ocorreu, efetivamente, uma redução da carga tributária.
Como a lei mandou o governo compensar a estimativa de renúncia previdenciária decorrente da desoneração, a programação orçamentária e financeira de 2012 projetou um gasto de R$ 1,79 bilhão do Tesouro com essa finalidade. A proposta orçamentária para 2013 projetou uma despesa de R$ 15,2 bilhões com a desoneração da folha que, posteriormente, passou a ser de R$ 16 bilhões.
Em dezembro do ano passado, o Tesouro usou R$ 1,79 bilhão de sua receita para pagar a Previdência por conta da desoneração da folha. Esse pagamento foi lançado como despesa primária na contabilidade do Tesouro. A Previdência, por sua vez, registrou em sua contabilidade aquele pagamento feito pelo Tesouro como receita própria. Isto significa que os mesmos recursos foram registrados como receita pelo Tesouro e depois pela Previdência, em uma típica dupla contagem. Dito de uma forma mais simples: a receita total do governo central de 2012 (que inclui as arrecadações do Tesouro, do Banco Central e da Previdência) não é aquela divulgada pela Secretaria do Tesouro Nacional. O valor divulgado está superestimado em R$ 1,79 bilhão. Se a mesma prática contábil continuar sendo adotada neste ano, a superestimativa da receita poderá ser de até R$ 16 bilhões – valor da compensação da desoneração da folha previsto no Orçamento.
Essa dupla contagem da receita não afetou o superávit primário do governo central, pois o resultado do Tesouro foi reduzido em R$ 1,79 bilhão e o da Previdência, aumentado no mesmo valor.
O valor da compensação da desoneração da folha de 2012 refere-se apenas ao período de janeiro a agosto, segundo explicou ao Valor fonte da área econômica. O restante da compensação referente a 2012 ainda será lançado na contabilidade. Uma portaria conjunta do Tesouro, da Receita Federal e da Previdência será baixada nas próximas semanas para regulamentar essa compensação. A ideia é que ela seja feita mensalmente, com o valor referente a quatro ou cinco meses anteriores, pois, como lembrou um técnico, é impossível estimar o valor da renúncia previdenciária em curto espaço de tempo.