Acordo automotivo só agrada ao setor

Especialistas dizem que acerto entre Brasil e México é protecionista e consumidores pagarão mais caro na hora de comprar

Chrystiane Silva e Cristina Carvalho

A revisão do acordo automotivo firmado entre Brasil e México foi bem recebida pela indústria, mas pode desagradar aos consumidores. O novo tratado estabeleceu cotas de exportação de veículos por três anos. Depois, os dois países devem retornar ao regime de livre comércio. O México poderá exportar US$ 1,45 bilhão em veículos ao Brasil no primeiro ano, US$ 1,56 bilhão no segundo e US$ 1,64 bilhão no terceiro ano.

Mas, até o fechamento desta edição, ainda estava em discussão o percentual de nacionalização das peças fabricadas localmente e utilizadas na montagem dos carros mexicanos. O governo brasileiro quer que o México aumente esse percentual de 30% para 45%-os mexicanos rejeitam a proposta. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, passou o dia de ontem negociando essa questão. O comunicado oficial sobre todos os termos do acordo será divulgado hoje. Um dos objetivos do Brasil é corrigir um déficit na balança comercial de US$ 1,6 bilhão-que hoje está a favor do México.

Como todo acordo, os acertos geraram controvérsia. Especialistas do setor dizem que o governo brasileiro está protegendo – mais uma vez – a indústria automotiva. “É uma decisão desesperada e motivada pelo baixo desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado”, diz Ricardo Balistiero, coordenador do curso de Administração de Empresas do Instituto Mauá de Tecnologia. O PIB do Brasil cresceu 2,7% em 2011, contra expansão de 7,5% no ano anterior.

A indústria nacional se especializou na produção de carros com motor 1.0, que custam menos. Já os importados têm motor mais potente e mais acessórios e, por isso, custam mais. “Houve lobby das montadoras e dos sindicatos para a conclusão desse acordo porque eles querem preservar os empregos do setor”, diz. Em 2011, houve aumento de 70% no ingresso de veículos mexicanos no Brasil. Em mais uma ação protecionista, em setembro do ano passado, o governo determinou o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 30 pontos percentuais para os carros importados do México, Argentina e Uruguai. “Quem perde é o consumidor que vai pagar caro por carros nacionais com qualidade inferior aos importados”, diz Balistiero.

O presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores, Flávio Meneghetti, diz que o Brasil tem sido inteligente para encontrar meios de equilibrar a balança comercial entre os dois países.

Para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, as exigências feitas pelo Brasil ao México na comercialização de automóveis não podem deixar de fora a nacionalização. “Hoje, a nacionalização está em 30%, mas na prática é de apenas 8% porque entram neste cálculo a publicidade, remessa de lucros e não apenas a peça fabricada”, diz Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.

A revisão do acordo foi considerada um retrocesso pelo pró-reitor de pesquisa e pós-graduação stricto sensu da ESPM,Marcos Amatucci. O tratado feito em 2002 entre Brasil, México e o Mercosul previa que a partir do segundo ano as tarifas de importação seriam zeradas. Em cinco anos haveria o livre comércio entre os países. “A solução não é mudar o acordo, mas oferecer alternativas para que a indústria possa competir com os importados”, diz. Nem a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e nem as montadoras se pronunciaram.