Arícia Martins | De São Paulo
O maior dinamismo da atividade industrial no começo de 2014 veio acompanhado por um processo de acúmulo de estoques por parte do setor de transformação, o que pode moderar o ritmo da produção nos próximos meses. Em março, nove dos 14 gêneros industriais pesquisados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) na Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação apontaram um volume mais expressivo de mercadorias paradas do que em fevereiro. Na comparação com dezembro do ano passado, esse número sobe para 11.
No dado consolidado, a diferença entre a proporção de empresas com estoques excessivos e insuficientes aumentou de 5,3 pontos no fim do ano passado para 8,4 pontos em março, número mais elevado desde outubro de 2011, quando essa relação ficou em 8,5 pontos. No conceito da FGV, quando esse diferencial é superior a dez pontos percentuais, a indústria encontra-se muito estocada, como estavam no mês passado quatro segmentos: vestuário, calçados e artefatos de tecido; mecânica; têxtil e material de transporte.
Entre janeiro e março, a média do indicador de estoques calculado pela FGV atingiu 107 pontos, 0,9 ponto acima do patamar registrado de outubro a dezembro do ano passado e também acima dos 105,9 pontos observados no terceiro trimestre de 2013. Naquele período, uma conjunção de fatores internos e externos derrubou a confiança da indústria de transformação e levou o Produto Bruto (PIB) do setor a recuar 0,9% em relação aos três meses anteriores, na série dessazonalizada.
Em março, o quadro ficou mais preocupante nos setores de material de transporte e mecânica, nos quais a fatia de empresários que considera o volume de estoques como excessivo é de 28,8% e 14,4%, respectivamente, muito acima da parcela de 9,4% apontada pela média de todos os gêneros. Embora estes dois fabricantes se destaquem em relação aos outros, o superintendente-adjunto de ciclos econômicos da FGV, Aloisio Campelo, avalia que houve um desequilíbrio geral entre o ritmo da oferta e da demanda, o que levou a indústria a voltar a acumular inventários.
“A indústria continua na fase cíclica de desaceleração que começou no terceiro trimestre de 2013”, afirmou Campelo. Segundo ele, é difícil apontar qual fator foi responsável pela deterioração geral no fluxo de fabricação e entrega de bens, já que, no início deste ano, não houve nenhuma mudança brusca no patamar da taxa de câmbio e o aumento de juros na economia doméstica segue em ritmo gradual.
Mesmo assim, diz, houve um descasamento suave, mas espalhado, entre a produção planejada e a demanda efetiva. Este descompasso, em sua opinião, aponta que a alta da produção a ser observada entre janeiro e março será pontual. O economista projeta que o setor manufatureiro pode crescer por volta de 1% no período sobre o último trimestre de 2013, feitos os ajustes sazonais, mas, na média de 2014, deve ficar próximo da estabilidade.
Para Thovan Caetano, da LCA Consultores, os dados de estoques do primeiro trimestre não mostram um quadro muito diferente da média histórica para o período dos últimos dez anos, em que a diferença entre empresas com estoques excessivos insuficientes ficou em 6,1 pontos e, por isso, não preocupam. Embora o cenário para os segmentos de bens de capital e bens duráveis não seja animador, os setores de bens semi e não duráveis podem se beneficiar do patamar de câmbio mais depreciado, afirma Caetano, e a indústria de transformação deve avançar 1,8% em 2014.
Já Campelo menciona que uma série de dados da sondagem indica perda de fôlego nos próximos meses, como a piora das expectativas dos empresários num horizonte de seis meses e as avaliações mais comedidas sobre o nível de demanda interna e externa. Considerando a piora do humor dos empresários e, ainda, o ambiente doméstico de política monetária mais restritiva e a deterioração da Argentina, que é um importante importador de manufaturados brasileiros, Campelo avalia que o atual acúmulo de estoques não será revertido facilmente.
De acordo com a Anfavea, entidade que reúne as montadoras instaladas no país, os estoques de veículos subiram de um giro equivalente a 37 dias de vendas em fevereiro para 48 dias em março. O presidente da associação, Luiz Moan, afirmou que o setor está bastante preocupado com o nível de inventários e considerou que a decisão do governo de aumentar as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na virada do ano foi equivocada e provocou retração no consumo.
Segundo Caetano, da LCA, a incidência do Carnaval em março também atrapalhou as vendas de comerciais leves, assim como a exigência de airbags e freios ABS em todos os automóveis produzidos, que acabou encarecendo estes itens. Além das restrições domésticas, Caetano afirma que o tombo de 35% das exportações de comerciais leves à Argentina no primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período de 2013, foi outro fator por trás do aumento dos estoques.
Ainda no setor de bens de consumo duráveis – cujo indicador de estoques da FGV atingiu 24 pontos na média dos primeiros três meses de 2013 – o economista da LCA observa que o segmento da linha marrom, que engloba televisores, outros produtos eletrônicos e equipamentos de comunicação, está antecipando sua produção em função do aumento de demanda esperado com a Copa do Mundo. No primeiro bimestre, destaca Caetano, a produção de material eletrônico e equipamentos de comunicação saltou 45,7% sobre igual período de 2013.
O acúmulo de estoques no segmento de bens de capital, por outro lado, não é resultado de antecipação da produção. Segundo a FGV, 21,6% dos empresários do setor consideraram o nível de mercadorias paradas como excessivo em março. Para Campelo, o dado está relacionado principalmente à piora do ambiente para os investimentos, com deterioração da confiança e das expectativas. Caetano também observa que as vendas de caminhões, que entram na categoria de bens de capital, podem ter sido prejudicadas por mudanças burocráticas nas novas regras do Finame, do BNDES, linha de financiamento para estes produtos que oferece juros atrativos.