Dia e noite, em turnos que se revezam 24 horas por dia, funcionários da Anglo Gold Ashanti entram em túneis abertos na rocha e descem em minas subterrâneas em busca de ouro.
Lá dentro, protegidos com máscaras e trajes especiais, operam grandes perfuradoras do tamanho de ônibus, escavadeiras e caminhões, entre outros equipamentos usados na extração de minério com ouro.
A Anglo, terceira maior produtora de ouro do mundo e a primeira no Brasil, é especialista em mineração de subsolo e tem em vista chegar a depósitos já sondados que estão a 2.000 metros de profundidade em Minas Gerais. Mas a empresa quer mudanças na lei.
Assim como outras mineradoras que operam minas subterrâneas, a Anglo diz que o país precisa atualizar as regras de trabalho para esse tipo de negócio e ampliar o tempo máximo que o mineiro pode ficar debaixo de terra. Hoje o máximo diário é de seis horas.
“Essa é uma forte reivindicação nossa. Operamos aqui da mesma forma que em qualquer lugar”, disse Camilo Farace, presidente no Brasil da Anglo Gold. “No Canadá e na Austrália a jornada de trabalho subterrânea é de 12 horas.”
A Anglo tem “know-how” em minas profundas. Na África do Sul, opera a 3.000 metros abaixo da superfície. No Brasil, a maior mina, Cuiabá, em Sabará (MG), funcionários vão a 1.300 metros. É lá onde foram identificados depósitos a 2.000 metros, ainda não explorados. A mina de Lamego, também em Sabará, está sendo ampliada e aprofundada, avançando sob o município de Caeté. Lamego tem hoje 500 metros de profundidade.
A Anglo Gold mantém nas suas seis minas – em Minas Gerais e Goiás – cinco equipes que trabalham em quatro turnos de seis horas ao longo de 24 horas por dia. São 7 mil empregados.
Do ponto de vista do negócio, a lei que impõe as seis horas máximas representa custos maiores. “Isso também afeta a produtividade. Os trabalhadores levam meia hora para descer até a frente de lavra e mais meia hora para subir”, diz Farace. O tempo gasto no trajeto não é computado como trabalho efetivo e parte do turno de seis horas.
À medida que os depósitos explorados vão ficando mais fundo, o tempo de deslocamento aumento e o de trabalho efetivo diminui. Farace diz que em termos globais, 16% da mineração em geral é subterrânea, no Brasil não chega a 4%.
“O Brasil precisa avançar nessa legislação. Esse é um ponto que nós clamamos muito para que a mineração de subsolo possa se desenvolver e crescer no Brasil”, disse. “Se houvesse uma revisão da legislação, o país se tornaria mais atrativo para investimentos em mineração de subsolo.”
Além das minas da Anglo, há mineração subterrânea de ouro na Bahia, de carvão em Santa Catarina, de potássio em Sergipe e de zinco em Minas Gerais.
O capítulo 10 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que é de 1943, faz uma série de restrições ao trabalho em minas subterrâneas. Além das seis horas, veda trabalho feminino e menores de 21 anos. Maiores de 50 anos também estão proibidos. O texto prevê a possibilidade de jornadas de oito horas, contanto que acordados com trabalhadores e com aval de autoridades.
“Na época em que a CLT foi criada, não havia equipamentos de hoje na mineração subterrânea e a ideia era poupar o trabalhador. Mas de lá para cá houve evolução dos equipamentos, das condições de saúde e de segurança”, diz Marcelo Tunes, diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade representativa das mineradoras.
Segundo ele, o tema chegou a ser objeto de um projeto de lei que não prosperou; o novo marco regulatório da mineração não enveredou para a seara trabalhista; e a reforma trabalhista aprovada pelo governo do presidente Michel Temer (MDB) não tocou nesse capítulo. “Mas isso está na pauta do Ibram”, diz Tunes. Com o período pré-eleitoral, a proposta ficou congelada. A expectativa, disse ele, é que com o próximo governo a discussão possa ganhar espaço.
Tunes diz que há casos em que a extensão da jornada já é defendida pelos trabalhadores. Em Minas Gerais, no entanto, os mineiros parecem rejeitar a ideia. “Isso é um absurdo” resume Delma Andrade, advogada e coordenadora do departamento jurídico do Sindicato dos Mineiros de Nova Lima e Região. Sua área de atuação abrange as minas da Anglo Gold.
“A discussão sobre a jornada nos preocupa porque o trabalho nas minas é exaustivo. Tem as questões da iluminação, temperatura elevada e circulação de ar”, afirma.
Delma diz que em outros países os investimentos em minas subterrâneas são maiores e as condições de trabalho, melhores. A Anglo sustenta que as condições de suas minas são comparáveis com as de outros países onde o trabalho subterrâneo pode durar mais tempo.
A empresa – cuja história no Brasil começou em 1834 – faturou no ano passado US$ 702 milhões e produziu 17,3 toneladas de ouro no país. A unidade brasileira é responsável por 15% da produção mundial da empresa e de 20% de sua geração de caixa.