Marcus Lopes
A discussão sobre a reforma trabalhista colocou no foco a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), identificada como marco das leis a favor do trabalhador. Após aprovar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, o presidente Getúlio Vargas tornou-se conhecido como o “pai dos pobres” por ter criado leis trabalhistas. O termo foi uma estratégia de marketing criada pelos órgãos de propaganda getulista para associar o presidente às conquistas sociais dos trabalhadores.
Mas a legislação trabalhista brasileira é muito anterior à CLT e teve início no final do século 19. Em janeiro de 1891, o presidente Deodoro da Fonseca assinou o Decreto 1.313, que vedava o trabalho de crianças menores de 12 anos nas fábricas do Rio de Janeiro, então capital federal. O decreto, que estabelecia regras para idade mínima dos trabalhadores nas fábricas, é considerado a primeira lei trabalhista nacional.
Em 1907, o presidente Afonso Pena assinou decreto que autorizava a formação de sindicatos de trabalhadores urbanos, profissionais liberais e cooperativas. Em 1919, o presidente Delfim Moreira regulamentou as indenizações por acidentes de trabalho.
Marcos trabalhistas e leis não cumpridas
“A legislação trabalhista no Brasil já vinha caminhando muito antes de Getúlio Vargas”, afirma o juiz do trabalho e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior.
Autor do livro “História do Direito do Trabalho no Brasil”, o professor diz que um marco importante foi a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, como parte do Tratado de Versalhes.
Como o Brasil era signatário do Tratado, que encerrou a Primeira Guerra Mundial, foi criada no mesmo ano a comissão de legislação social na Câmara dos Deputados. As discussões resultaram em diversas leis nacionais em defesa dos empregados nos anos seguintes, como o direito a férias e estabilidade no emprego após dez anos.
Havia também leis estaduais e municipais que ordenavam as regras trabalhistas nos Estados e municípios. Em São Paulo, o Código Sanitário de 1894 ordenava, entre outras coisas, as condições sanitárias no ambiente de trabalho, o trabalho noturno e o infantil em todo o Estado.
Em 1911, uma lei do prefeito Bento Ribeiro fixou o horário de trabalho dos comerciários no Rio de Janeiro.
Outro marco importante para garantir os direitos dos trabalhadores foram as pressões exercidas pelos sindicatos e as greves ocorridas no começo do século 20, como a greve geral de 1917.
“Havia uma mobilização sindical muito grande e impulsionada, sobretudo, por imigrantes italianos. A legislação trabalhista também é resultado de muita luta e atuação dos trabalhadores”, diz Souto Maior, referindo-se às intensas mobilizações sociais nas primeiras décadas do século 20.
O problema, afirma o juiz, é que as leis existiam, mas nem sempre eram cumpridas. “Havia muita retórica dos governantes, mas pouca vontade dos empresários”, diz. Souto Maior não tira os méritos da CLT, que, segundo ele, consolidou e ampliou a legislação trabalhista vigente no país.
Leis trabalhistas antes da CLT
Decreto 1.313, de 17/1/1891 – Trouxe dispositivos que regulamentavam o trabalho de crianças nas fábricas do Rio de Janeiro; entre eles, a idade mínima de 12 anos para poder trabalhar.
Decreto 979, de 6/1/1903 – Autorizava os trabalhadores da agricultura e da indústria rural a organizarem-se em sindicatos para “estudo, custeio e defesa de seus interesses”.
Decreto 1.637, de 5/1/1907 – Autorizava a criação de sindicatos de trabalhadores urbanos e sociedades cooperativas. O objetivo dos sindicatos era o mesmo do previsto no decreto 979: defender o interesse de seus membros.
Lei municipal 1.350, de 31/10/1911, do Rio – Fixava o horário de trabalho dos empregados do comércio no Rio de Janeiro. As lojas que funcionassem por mais de 12 horas por dia deveriam ter dois turnos de empregados, e domingo era “dia de repouso” dos funcionários.
Decreto 3.724, de 15/1/1919 – Estabelecia a responsabilidade do empregador de indenizar o trabalhador ou sua família, em caso de acidente de trabalho. A indenização por morte era equivalente a três anos de salários da vítima. O mesmo valor deveria ser pago em caso de invalidez permanente.
Decreto 4.682, de 23/1/1923 – Instituiu a caixa de aposentadoria e pensões aos trabalhadores das estradas de ferro e outros direitos trabalhistas, como estabilidade no emprego após dez anos de serviço.
Lei 4.982, de 24/12/1925 – Concedia 15 dias de férias por ano aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, sem diminuir o salário.
Decreto 17.943-A, de 12/10/1927 – Código de proteção às crianças em todo o território nacional, inclusive relativo a questões trabalhistas. Proibia o trabalho de crianças menores de 12 anos em todo o país, o trabalho noturno aos adolescentes menores de 18 anos e emprego de crianças e adolescentes em atividades perigosas ou insalubres, como pedreiras.