Argentina fracassa em conter salários

Valor

Por César Felício | De Buenos Aires

A disputa pelo controle da máquina sindical na Argentina comprometeu a estratégia que o governo havia traçado com a elite empresarial no fim do ano passado, que moderaria o reajuste de preços em troca da pressão governista por reajustes salariais abaixo da inflação. Ontem, fizeram greve no país os metalúrgicos e os operadores do porto de Rosário, e pode haver paralisação nos setores bancário e de saúde na próxima semana.

As reivindicações dos sindicatos oscilam entre 25% e 40% de reajuste. A inflação extra-oficial no país ficou em cerca de 23% em 2011.

No meio patronal, nem o Estado conseguiu impor perdas em relação à inflação passada. O governo fechou um acordo com parte dos sindicatos do funcionalismo para reajuste de 21%, mas os servidores da Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE) não aceitaram a proposta e fecharam ontem por algumas horas um acesso à capital.

Os metalúrgicos pedem 24% de reajuste, mas exigem a incorporação ao salário de um abono de 300 pesos, o que, conforme a empresa, implicaria aumento de até 33%. O governo deverá mediar a negociação e pende para os trabalhadores.

O acirramento das negociações está ligado à eleição em julho para a direção da CGT, a central sindical que tem 2,5 milhões de filiados.

O líder sindical metalúrgico Antonio Caló desafiou a reeleição do líder caminhoneiro Hugo Moyano, que está se distanciado do kirchnerismo e procura mostrar autonomia em relação à Casa Rosada. “Uma vitória clara de Caló permite pensar em uma moderação no segundo semestre, em que os acordos que estão sendo feitos agora serão revistos. A fragmentação de agora leva à radicalização. Mas parece certo que a margem para negociar reajustes que diminuam a pressão sobre preços será muito pequena”, comentou Julio Burdman, da consultoria Analytica.

Caló tem o apoio dos sindicatos mais poderosos, como eletricitários, construção civil, saúde e do setor automotivo. Moyano ganha força nas estruturas menores.

A radicalização é ainda maior nos sindicatos em que há disputa interna, como o da indústria da alimentação, que escolheria ontem sua nova direção. As chapas em disputa prometiam pedir reajuste de até 40%, os mais altos entre os principais sindicatos argentinos.

Segundo levantamento do escritório de advocacia De Diego, especializado no atendimento à área patronal, os aumentos salariais pactuados pelos sindicatos vinculados à CGT superaram a inflação real em todos os anos desde 2003.

Pelos cálculos do escritório, um trabalhador no setor metal-mecânico necessitava de dezesseis salários brutos para comprar um automóvel de médio padrão em 2002. Dez anos depois, adquire um carro com seis salários.

Com as indústrias operando no limite da capacidade, o desemprego recuou no país de 23% para 9,9% entre 2003 e 2011, segundo levantamento da consultoria OJF. Os aumentos salariais se descolaram da variação cambial desde 2007, quadro que se acentuou no ano passado, com a pequena variação do dólar em relação ao peso.

Segundo estudo da empresa de consultoria Econométrica, entre 2009 e este ano o custo médio do empregado no setor privado passou de US$ 1.074 para US$ 1.748, uma variação de 63%.

Sem âncora nos salários, o governo tende a aumentar o controle sobre o câmbio para evitar uma explosão inflacionária. “A chave para manter a inflação real estabilizada entre 20% e 30% é a conter a formação de ativos no exterior, ou seja, evitar a fuga de dólares. É absolutamente fundamental que a política atual restritiva seja mantida”, afirmou o economista Carlos Melconian, vinculado à oposição ao kirchnerismo.