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Asiáticos avançam sobre têxteis, calçados e eletrônicos

Por Vanessa Jurgenfeld | De São Paulo

A China ganhou market share no mercado doméstico na primeira década dos anos 2000 principalmente em cinco setores: couro e indústria calçadista, plásticos e borrachas, têxtil e produtos têxteis, equipamentos elétricos e óticos e outras manufaturas e reciclagem. O crescimento chinês se deu principalmente em substituição às importações brasileiras de outros países e menos sobre a produção nacional.

Estudo do economista da Finep Eduardo Maxnuck Coelho Soares e da professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marta dos Reis Castilho mostra que, entre 2001 e 2009, a participação dos chineses cresceu de 0,54% para 3,90% no setor têxtil, de 2,22% para 2,80% no calçadista, e passou de 1,89% para 11,30% nos equipamentos elétricos e óticos. Já no ramo “plásticos e borrachas” e em “outras manufaturas e reciclagem”, a China, que não atuava em 2001, passou, em 2009, a 2,10% no primeiro grupo e a 1% no segundo. Em “outras manufaturas e reciclagem” estão incluídos, por exemplo, fabricação de instrumentos musicais, de brinquedos e reciclagem de resíduos de metal e sucata.

Marta destaca que os dados mostram que o avanço chinês envolve setores tradicionais, como calçados e têxteis, e também de mais alta tecnologia, como equipamentos elétricos e óticos.

Segundo a pesquisa, o setor mais prejudicado é o têxtil, no qual o avanço chinês se deu sobre o market share das empresas brasileiras têxteis e também sobre a fatia de outros países que fornecem têxteis ao Brasil. Nos outros quatro ramos, é mais nítido que a China avançou sobre outros produtores estrangeiros, agrupados na pesquisa como “resto do mundo”. Os produtores nacionais, nesses quatro casos, até conseguiram manter suas fatias ou mesmo crescer.

Segundo Marta, o estudo mostra que foi esse o movimento mais comum na década de 2000, quando a China começou a expandir sua atuação pelo mundo. No caso de calçados, o produtor brasileiro, que detinha 93,33% de market share, em 2001, passou a 93,90% em 2009. Enquanto China cresce, o resto do mundo sai de 4,44% em 2001 no mercado brasileiro de calçados e cai para 3,30% em 2009.

Em plásticos e borrachas a relação foi similar: enquanto China acelera, os produtores brasileiros mantiveram sua participação – foram de 88,18% para 88,60% no período. O resto do mundo saiu de 11,82% para 9,30%. Em equipamentos elétricos e óticos, o avanço chinês é acompanhado pelo crescimento do produtor brasileiro, que passa de 58,68% para 67,50%. Já o resto do mundo encolhe de 39,43% para 21,20%. Já, no têxtil, o produtor nacional detinha 95,11% do mercado em 2001 e caiu para 92,60% em 2009. O resto do mundo baixou de 4,35% para 3,40%.

Para Marta, os dados não permitem afirmar que depois de 2009 – ano final da pesquisa – a China não possa ter intensificado seu avanço sobre os produtores brasileiros. Ela afirma que há sinalizações de que isso ocorreu, mas não havia dados para fazer essa análise após 2009 na base de dados utilizada.

A pesquisa usou estatísticas de matriz insumo-produto mundial (World Input-Output Database), disponíveis até 2009. Essa base “interliga” as estruturas produtivas de um número elevado de países através de fluxo de comércio, de forma que é possível observar que uma mudança em um determinado país pode afetar o consumo intermediário ou a estrutura produtiva de outros.

Por meio desses dados, o estudo observou quem está deslocando quem no mercado brasileiro. “Essas matrizes são cada vez mais importantes por causa da expansão das cadeias globais de valor e da necessidade de análises que olhem para essas cadeias”, diz a professora.

Para Marta, o Brasil deve pensar políticas que limitem o avanço da China. “Não acho que a gente deva se colocar passivamente diante desses fenômenos, porque eles têm efeitos sobre emprego, que podem vir a ser relevantes, e efeitos sobre uma desarticulação produtiva”, diz. Ela defende uma política industrial eficaz – diferentemente do que foi feito até agora. “Isso tem que ser pensado com urgência para haver resultados no médio prazo senão a concorrência chinesa pode desarticular a indústria de uma forma que ficará muito difícil reverter essa situação”, afirma.

Entre representantes do setor têxtil e calçadista, nos últimos anos foram comuns as reclamações em relação à invasão chinesa. Os dados do comércio têxtil, em especial, mostram déficits acumulados ano a ano desde meados dos anos 2000. Renato Jardim, gerente da área internacional e de economia da Abit, associação que representa o setor, diz que a balança comercial de 2014 deve manter essa tendência. Espera-se uma importação de US$ 7 bilhões e exportação de US$ 1,2 bilhão, com déficit de US$ 5,8 bilhões, provocado principalmente pela China.

No setor calçadista, embora haja avanço das importações nos últimos anos, o saldo deste ano deve ser positivo. Presidente da Abicalçados, Heitor Klein, diz que nos próximos meses poderá haver queda de importados, em função do encarecimento provocado pela desvalorização do real.

Para Lia Valls, professora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, não foi somente no Brasil que as exportações chinesas deslocaram os embarques de outros países. “Em produtos eletrônicos, por exemplo, a China deslocou nos últimos anos exportações da Coreia e do Japão.”

Lia ressalta que a China ainda mantém um processo de elevação de conteúdo tecnológico que, aliado à produção em grande escala, favorece a exportação. A indústria relativamente diversificada, destaca, garante uma pauta de exportação ampla, o que permite aos chineses aproveitar rapidamente oportunidades.

A evolução da importação de produtos chineses mostra essa diversidade. Em 2011, favorecidas por uma demanda doméstica crescente e pelo real valorizado, a importação de automóveis chineses deslanchou e somou US$ 334,3 milhões. Naquele ano o automóvel de passageiro chegou a entrar em sétimo na lista dos dez itens mais comprados pelo Brasil do país asiático. O valor representou salto significativo frente aos US$ 19,9 milhões de carros importados do país asiático no ano anterior.

Ao fim de 2011, porém, o governo federal elevou em 30 pontos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre carros importados, o que acabou reduzindo o desembarque de carros chineses e coreanos. Como reflexo também da medida tributária, em 2012, a importação de veículos chineses caiu para US$ 45,5 milhões. Mesmo assim, a China tornou-se naquele ano o principal fornecedor externo do Brasil, levando em conta os países, individualmente.

Em 2014, até outubro, as importações origem China ficaram praticamente estáveis em relação a igual período do ano passado, com queda de apenas 0,01%. As importações totais do Brasil recuaram no mesmo período 4,2%. O que impediu um recuo maior das importações chinesas foi a alta de 36,2% nos circuitos impressos e partes para aparelhos de telefonia, item “made in China” mais importado pelo Brasil nos primeiros dez meses do ano. Os desembarques chineses este ano também incluíram US$ 379,01 milhões em plataforma de petróleo no mês de janeiro. (Colaborou Marta Watanabe)