Auditorias da Apple não inibem abusos dos fornecedores

Em 2005, alguns executivos do alto escalão da Apple se reuniram em sua sede em Cupertino, Califórnia, para um encontro especial. Outras empresas haviam criado códigos de conduta para policiar seus fornecedores. A Apple entendeu que estava na hora de seguir o exemplo.

A reportagem é do The New York Times e reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, 27-01-2012.

O código da companhia publicado naquele ano exigia que “as condições de trabalho na cadeia de suprimento da Apple sejam seguras, os trabalhadores sejam tratados com respeito e dignidade e os processos de manufatura sejam responsáveis em termos de meio ambiente”. Mas, no ano seguinte, o jornal britânico The Mail on Sunday visitou secretamente a Foxconn em Shenzen, China, onde os iPods eram fabricados, e publicou uma reportagem sobre as longas horas de trabalho a que os trabalhadores eram submetidos, obrigados a fazer flexões a título de punição, e a aglomeração nos dormitórios. Os executivos em Cupertino ficam chocados.

A Apple realizou uma auditoria nessa fábrica, a primeira inspeção do tipo, e ordenou mudanças. Os executivos também adotaram uma série de iniciativas que incluíam um relatório de inspeção anual, o primeiro publicado em 2007. No ano passado, a Apple inspecionou 396 fábricas – de fornecedoras diretas da companhia e também muitas das empresas que fornecem para essas empresas -, um dos mais amplos programas do tipo dentro do setor eletrônico.

As auditorias revelaram graves violações do código de conduta da Apple, de acordo com resumos publicados pela empresa. Em 2007, por exemplo, das mais de 30 inspeções realizadas pela Apple, dois terços delas indicaram que os operários trabalhavam regularmente mais de 60 horas semanais. Além disso, seis “violações graves” haviam ocorrido, incluindo a contratação de menores de 15 anos, além da falsificação de registros.

Nos três anos seguintes, a Apple realizou 312 auditorias e a cada ano metade ou mais delas deixaram evidente que um grande número de empregados estava trabalhando mais de seis dias por semana e fazendo horas extras excessivas. Nesse período, descobriu 70 violações graves.

Abusos
Em 2011, a companhia realizou 229 inspeções. Foram observadas ligeiras melhoras em algumas categorias e o número de violações graves diminuiu. No entanto, 93 auditorias revelaram que pelo menos metade dos empregados continuava trabalhando mais de 60 horas por semana. Um número similar mostrou que os operários trabalhavam mais de seis dias por semana. “Se você vê o mesmo tipo de problemas, ano após ano, isso significa que a empresa está ignorando o problema, não resolvendo-o”, disse um ex-executivo da Apple.

Segundo a Apple, quando uma auditoria descobre uma violação, ela exige que os fornecedores resolvam o problema num prazo de 90 dias e realizem as mudanças para evitar que se repita. “Se um fornecedor não fizer as mudanças, encerramos nossa relação comercial”, diz a empresa no seu website.

A seriedade dessa ameaça, no entanto, não está clara. A Apple registrou violações em centenas de inspeções, mas pouco menos de 15 fornecedores foram excluídos por causa de transgressões desde 2007, segundo ex-executivos da companhia.

Explosão
No dia da explosão na fábrica de iPads, Lai Xiaodong telefonou para sua namorada, como fazia todos os dias. Ele pretendiam se encontrar naquela noite, mas o gerente de Lai convocou-o para fazer hora extra, ele disse. Lai tinha sido promovido na Foxconn e depois de apenas cinco meses ficou encarregado da equipe de manutenção das máquinas polidoras dos estojos dos iPads.

A atividade na fábrica era frenética, disseram os empregados. Máquinas em fila poliam os estojos, enquanto os empregados de máscara apertavam os botões. Um grande duto de ventilação pairava sobre cada estação de trabalho, mas os ventiladores não davam conta das três fileiras de máquinas polindo sem parar. Havia pó de alumínio por toda parte. O pó é um conhecido risco à segurança.

Duas horas depois que Lai já estava no seu segundo turno, o prédio começou a tremer, como se um terremoto estivesse ocorrendo. Houve uma série de explosões, disseram os operários. Quatro pessoas morreram e 18 se feriram. No hospital, a namorada de Lai viu que havia queimaduras na sua pele. Finalmente, sua família chegou. Mais de 90% do seu corpo tinha sido queimado.

Depois que Lai morreu, os trabalhadores da Foxconn foram à cidade natal dele levando uma urna com suas cinzas. A família recebeu US$ 150 mil. Num comunicado, a Foxconn, disse que no momento da explosão, a fábrica estava cumprindo com todas as normas e leis.

No seu mais recente relatório sobre a responsabilidade dos fornecedores, a Apple disse que, após a explosão, a empresa entrou em contato com os “mais destacados especialistas em segurança de processos industriais” e montou uma equipe para investigar e fazer recomendações para prevenir acidentes.

Em dezembro, porém, sete meses após a explosão que matou Lai, uma outra fábrica de iPad explodiu, desta vez em Xangai. Novamente, o pó de alumínio foi a causa, de acordo com entrevistas realizadas e o relatório da Apple. A explosão provocou ferimentos em 59 operários, 23 foram hospitalizados.

Em seu mais recente relatório, a Apple escreveu que, embora as duas explosões tenham envolvido o pó de alumínio, as causas das explosões foram distintas. Mas não forneceu mais detalhes.

Para a família de Lai, uma pergunta persiste. “Não sabemos ainda com certeza por que ele morreu”, diz a mãe de Lai, de pé ao lado de um pequeno oratório próximo da sua casa. “Não entendemos o que ocorreu.”