Folha de S.Paulo
MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO
Criados para dar vantagem aos trabalhadores representados por sindicatos, os pisos salariais estão sendo engolidos pelo salário mínimo, que tem obtido reajustes mais elevados há oito anos.
Entre 2004 e o ano passado, o mínimo mais que dobrou. Já o valor médio dos pisos, apurado pelo Dieese, subiu menos: 68%. O resultado é que a vantagem, antes obtida graças a pressões dos sindicatos, está sumindo.
Nas categorias com representações trabalhistas mais frágeis, o piso pode estar condenado à extinção.
Em 2004, os menores salários das categorias sindicalizadas representavam, em média, 1,7 salário mínimo. Em 2011, a relação caiu para 1,3.
Neste ano, com o aumento de 14,13% do salário mínimo, que subiu a R$ 622, a tendência é que a vantagem dos pisos diminua ainda mais.
Isso porque a economia está crescendo mais lentamente e, neste cenário, é menos provável que os sindicatos consigam reproduzir em suas negociações reajustes semelhantes ao do mínimo.
É o caso dos cerca de 18 mil metalúrgicos da região de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. O reajuste fechado no mês passado foi de 7,5%. Os pisos tiveram resultado mais positivo (8%), mas também subiram menos que mínimo.
O presidente do sindicato, Vilmar Garcia, diz que o reajuste do mínimo nem sequer foi parâmetro. “Está difícil negociar. Os empresários falam de crise, de concorrência com os produtos chineses.”
O piso da categoria representava 1,8 salário mínimo em 2004. Neste ano, com o reajuste para R$ 830, passou a valer cerca de 1,3 mínimo.
PODER DOS SINDICATOS
Apesar do descompasso, o economista José Dari Krein, da Unicamp, diz que não se pode falar em perda do poder de barganha dos sindicatos.
Isso porque, diz ele, as reivindicações sindicais também têm mudado e passaram a dar destaque a temas como participação nos lucros -remuneração cada vez mais importante no mercado.
“O que pode acontecer é que, para categorias com menor produtividade ou com representação mais dispersa, o piso se tornará irrelevante.”
Outro efeito colateral da menor vantagem dos pisos em relação ao salário mínimo é uma relativa corrosão do poder de compra. Como muitos serviços têm os preços corrigidos segundo o mínimo, quem não é agraciado na mesma medida sai perdendo.
“Os trabalhadores que não têm o mesmo reajuste não poderão acessar os mesmos serviços que consumiam no passado”, afirma Krein.
Para o economista Alexandre Chaia, do Insper, é raro reajustes salariais praticados no mercado acompanharem o crescimento econômico na mesma proporção, como ocorre com o salário mínimo.
“Se os trabalhadores tentarem buscar recompor essa diferença, poderá haver uma pressão de custos na economia”, diz. Noutras palavras, haverá aumento de preços.
Desde 2004, salário-base nacional subiu mais rápido que demais remunerações
Diferença deve recuar mais neste ano devido ao forte aumento do mínimo e à expansão mais lenta da economia.
Regra que reajusta base nacional cria distorção, afirma economista
A “distorção”, nas palavras do economista da FGV (Fundação Getulio Vargas) Marcelo Néri, entre o piso nacional e os pisos das categorias sindicalizadas ocorre porque a fórmula fixa para o reajuste do salário mínimo que não leva em conta o que ocorre no mercado de trabalho.
A regra hoje considera o crescimento econômico de dois anos antes e a inflação do ano anterior.
“Não pode o desempenho da economia no passado, no caso em 2010, definir salários pagos neste momento, em meio a uma crise”, diz ele.
Os gráficos do Paraná, em campanha salarial, tentam um aumento de 8% para a categoria, inclusive para os pisos. Os empresários oferecem 7,6%. O salário inicial de bloquistas representava 1,6 salário mínimo em 2004. No ano passado, passou a 1,2.
Diretora do sindicato, Susana Güthmer afirma que chegar aos 14,13% do salário mínimo “é impossível”.
“Algumas empresas relatam que não estão com tanto serviço este ano”, diz ela, que notou o avanço do mínimo sobre o próprio salário.
“Cheguei a receber quatro mínimos, hoje não ganho dois. Mas como recuperar a diferença se hoje brigamos por décimos?”.
(MC)