Por Marli Olmos | De Detroit
A velocidade com que o Brasil está recebendo novas fábricas elevará a capacidade de produção de veículos em 55% entre 2007 e 2015. Nesse período o parque do setor será ampliado para uma produção anual extra de 1,698 milhão de unidades. É como se todas as fábricas da Rússia ou do Reino Unido fossem transferidas para o território brasileiro. Ainda assim sobraria espaço para mais uma ou duas.
Em 2007, as linhas de montagem do país estavam preparadas para fabricar 3,042 milhões de veículos por ano. Este ano, a capacidade chegará a 3,999 milhões, passando para 4,480 milhões em 2014 e 4,740 milhões em 2015, segundo previsões do Morgan Stanley.
O banco de investimentos americano começou a alertar os clientes nos Estados Unidos sobre os riscos de a estrutura do parque automotivo brasileiro ficar grande demais. A instituição financeira também apontou a aceleração da expansão da capacidade das fábricas na China como um risco.
A Rússia, parceira do Brasil no bloco Brics, produziu 1,4 milhão de veículos em 2010, segundo dados da OICA, organização que agrega as representações dos fabricantes de veículos em todo o mundo. No mesmo ano, o Reino Unido, outro país com vocação para a indústria automobilística, somou 1,393 milhão de unidades.
A preocupação dos pesquisadores do setor automotivo do Morgan Stanley em relação ao Brasil foi exibida esta semana, em Detroit, durante um congresso promovido pela publicação especializada “Automotive News” e que reuniu executivos do setor na véspera da abertura do salão do automóvel.
O diretor responsável pela área automotiva do Morgan Stanley, Adam Jonas, usou o caso brasileiro para alertar os executivos do setor sobre o risco de os fabricantes confiarem demais no avanço da demanda nas regiões emergentes como forma de compensar a estagnação das vendas em outros mercados. “Não contem com os mercados emergentes”, disse Jonas. Para ele, o perigo aumenta à medida que a expansão industrial ocorre num momento em que o governo acaba de anunciar medidas de proteção.
Jonas criticou e até ironizou a medida do governo que elevou em 30 pontos percentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos carros importados e também dos que forem produzidos em fábricas que não alcançarem o conteúdo nacional médio de 65%.
O executivo também disse à plateia que lotava um dos salões do Renaissance Center, no centro de Detroit, que a medida governamental foi tomada para atingir diretamente os produtos chineses, cuja participação no mercado brasileiro em poucos meses passou de menos de 1% para quase 6%. Ele ainda contou à plateia sobre os planos de uma marca chinesa – a JAC – de construir uma fábrica na Bahia com investimento de US$ 500 milhões. “Todo o mundo está construindo uma fábrica no Brasil”, destacou. E perguntou quantos conheciam esses veículos. Poucos ergueram as mãos.
Mais tarde, Jonas disse ao Valor que a elevação da carga tributária foi repentina, inesperada. Para ele, independentemente de a capacidade produtiva ser efetivamente necessária para atender ao crescimento de demanda, esperado pelo setor automotivo, “esta é uma questão com a qual o Brasil tem que se preocupar”. O executivo também não espera que essa produção extra possa ser escoada no mercado de exportação. “Sabemos que mais de 70% da produção da indústria automobilística no Brasil depende do mercado interno.”
Não é apenas em relação ao Brasil que o dirigente do banco americano chamou a atenção dos executivos do setor. Apesar das previsões de crescimento de vendas de veículos na China em 2012, Jonas disse que a expansão da demanda no país asiático está “desacelerando rapidamente”. Por isso, também preocupa a velocidade do crescimento da capacidade na China.
As vendas de veículos na China devem crescer mais de 10% em 2012. Mas, disse, esse avanço não será tão lucrativo em razão do aumento da expansão industrial. “A capacidade chinesa está programada para crescer duas vezes mais rápido do que a demanda em 20112 e, certamente, atingirá ritmos mais velozes que as vendas em 2013”, disse o executivo. Para ele, isso deverá representar uma pressão de custos. No Brasil, a indústria espera um aumento de mercado de 4% a 5% este ano.
Mesmo assim, Brasil e China, segundo previsões do banco americano, continuarão a puxar o crescimento do mercado este ano. Jonas lembrou que o Brasil foi um dos mercados mais lucrativos para a indústria automobilística nos últimos anos. É por isso que, independentemente das análises sobre eventual excesso de capacidade, o foco da indústria continua voltado para o Brasil.
As previsões do Morgan Stanley para Europa foram sombrias. Segundo Jonas, os volumes de vendas anuais na Europa vão cair este ano, para 13,3 milhões de veículos. Em 2011, os mercados europeus somaram 14,2 milhões de unidades. Este é um número que, na análise do executivo, só deverá ser alcançado em 2014.
Em relação aos Estados Unidos, apesar da festa que os executivos que participam do salão de Detroit têm feito em relação à recuperação das vendas, Jonas disse que, mesmo com a recuperação dos últimos meses, no ano passado as vendas de veículos no país, que perdeu para a China a liderança mundial, ficaram iguais ao que eram na década de 70: 12,8 milhões.
Em 2011 foram vendidos em todo o mundo 70,534 milhões de veículos. Espera-se uma expansão forte nessa década. O mercado mundial anual poderá chegar, segundo previsões da indústria, a 100 milhões em 2020.