Nossa sociedade há muito reconheceu a importância do investimento em pesquisa e inovação. Os governantes, porém, precisam fazer o mesmo
*Soraya Smaili
Início de 2018. Um momento que já se apresenta com enormes desafios em relação ao futuro das pesquisas e da ciência em nosso país.
O orçamento desse ano, sancionado há alguns dias, traz muitas preocupações decorrentes dos cortes orçamentários na área de ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento.
A comunidade científica passou todo o ano de 2017 buscando reverter os cortes anunciados e que se concretizaram na peça orçamentária.
Foi uma grande mobilização em diversos estados do país, envolvendo estudantes, pesquisadores, professores e técnicos. Durante o ano passado, o debate e a participação da comunidade científica na política de financiamento da ciência foi extremamente significativa.
Há muito não víamos os cientistas e estudantes tão mobilizados e empenhados em demonstrar à sociedade os efeitos dos cortes anunciados na dotação de verbas públicas destinadas à Ciência e Tecnologia.
A proposta de orçamento inicialmente apresentada pelo governo federal reduzia em dois terços o montante investido em 2011, fruto de uma redução ocorrida ano após ano que se intensificou especialmente em 2017.
Após essa grande movimentação, houve uma diminuição dos prejuízos, porém, o orçamento de 2018 apresentou-se ainda menor (cerca de 19% em relação ao ano anterior). Muitas campanhas foram feitas por entidades e parlamentares, como a do Conhecimento sem Cortes, que trouxe uma forma de cálculo no qual os cortes no sistema de ciência e tecnologia crescem a cada momento.
Além das ações de entidades internacionais, uma das mais notáveis foi a carta de diversos cientistas ganhadores do Prêmio Nobel e dirigida ao presidente da República.
Nossos pesquisadores foram firmes e consistentes na defesa do sistema público de C&T e souberam iniciar um processo de interlocução com parlamentares e com a sociedade, incluindo a mídia.
É necessário explicar à população que o financiamento público é essencial para que haja ciência, em especial as ciências básicas, que formam o alicerce de tudo o que se produzirá de tecnológico e aplicado.
Países desenvolvidos destinam, no mínimo, de 2% a 3% do PIB para essa área. Mesmo os que estão em desenvolvimento continuam fazendo grande movimentação para atingir patamares maiores, pois sabem que o futuro e o crescimento econômico dependem do que o país pode e consegue produzir de maneira soberana.
Dados recentes apresentados ao Conselho Universitário da Universidade Federal de São Paulo (Consu/Unifesp) pelo presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Marcos Cintra, revelaram que para cada unidade da moeda investida em C&T, cerca de 3 a 4 unidades da mesma moeda são geradas na forma de desenvolvimento econômico e social em qualquer país.
Não se trata, portanto, de gasto, mas de um investimento no futuro de uma nação.
Dentre as entidades que mais se destacaram nessa atuação nos últimos meses, estão as universidades públicas federais, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o que fez com que a revista Entreteses abordasse esse tema em sua última edição.
Apontando para o perigo de um retrocesso desastroso, a entrevista com o presidente da ABC, Luiz Davidovich, mostra como o país tem os meios e os recursos para apostar no crescimento.
Uma das medidas emergenciais que vêm sendo propostas é o pedido dos cientistas ao Congresso para que libere ao menos 1,6 bilhões da reserva de contingência do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para o desenvolvimento da ciência, ao invés de permanecer parado para render juros, como hoje está. É preciso também que o governo federal assuma essa posição.
O corte no orçamento da Ciência e Tecnologia trouxe novas e importantes preocupações para a comunidade e para a sociedade.
Nosso trabalho para recompor e reaver orçamentos terá que continuar, pois queremos um país soberano, que produza vacinas e descubra medicamentos ao invés de importá-los, que produza tecnologia para a agricultura e a indústria, ao invés de apenas exportar matérias-primas para outros países desenvolvidos.
A sociedade brasileira há muito reconheceu isso e valoriza os seus incansáveis cientistas, sempre trabalhando em condições mínimas ou precárias. É preciso apenas que os governantes e o Congresso também o vejam, se quisermos ter o desenvolvimento de uma nação livre e soberana.
Vamos juntos trabalhar por isso e a universidade pública, local onde grande parte da ciência do país é desenvolvida, continuará sua trajetória e sua missão.
*Soraya S. Smaili é professora e reitora da Universidade Federal de São Paulo