A crise na Argentina é o maior, mas não o único problema enfrentado por montadoras e fabricantes de autopeças brasileiros nas transações comerciais com o exterior.
Às barreiras no país vizinho somam-se a queda nas vendas para outros mercados consumidores de carros brasileiros – caso de México e África do Sul -, perda de espaço para a concorrência asiática e, até mesmo, a paralisia da indústria automobilística venezuelana.
O resultado disso são déficits crescentes na balança comercial dos dois setores. Nos quatro primeiros meses do ano, as importações de veículos superaram as exportações em US$ 1,68 bilhão, o que amplia o saldo negativo de um ano atrás em 21,3%. Já o déficit comercial das autopeças, que já tinha sido recorde em 2013, segue avançando e chegou a US$ 3,65 bilhões entre janeiro e abril – alta de 9,3% em um ano, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento (veja gráfico).
Quando se inclui na conta os números dos fabricantes de chassis, carrocerias e reboques, junto com máquinas agrícolas e rodoviárias – setores que amenizam o rombo porque são superavitários -, o déficit da balança comercial automotiva cai para US$ 4,57 bilhões, ainda assim 7,9% maior do que o resultado apurado no primeiro quadrimestre de 2013.
Nos últimos dois anos, políticas de restrição a carros importados conseguiram derrubar as importações de veículos no Brasil, mas, na direção oposta do fluxo comercial, as exportações das montadoras não deram sequência à recuperação iniciada em 2013. Além da queda de 26,2% nas vendas para a Argentina – destino de quatro a cada cinco carros embarcados no Brasil -, as exportações ao mercado mexicano, onde o consumo de veículos se estagnou, são hoje apenas um terço do que eram há um ano.
Números registrados até abril mostram pouco mais de 6 mil veículos com destino ao México, 66,3% abaixo das 18,6 mil unidades dos quatro primeiros meses de 2013. Assim como a Argentina, o México tem acordo comercial com o Brasil e absorveu 8% das exportações de montadoras daqui no ano passado. Já na África do Sul, destino de 3% das exportações, o consumo de veículos brasileiros cai quase 8% neste ano, refletindo a forte queda do mercado local. Neste ano, os sul-africanos reduzem o consumo de automóveis em 23,6%.
Na indústria de autopeças, as vendas externas recuam não apenas nos países em recessão, mas também nos mercados em recuperação na Europa e nos Estados Unidos. No ranking dos cinco principais destinos do setor – Argentina, Estados Unidos, México, Alemanha e Holanda -, todos diminuem as compras de peças produzidas no Brasil.
Para piorar, as exportações à Venezuela, que até dois anos atrás era o quinto principal destino das autopeças brasileiras, seguem em queda livre depois que as montadoras do país pararam ou reduziram o ritmo de produção devido à falta de divisas para importar matérias-primas. Só nos quatro primeiros meses do ano, houve um recuo de 59,3% nos embarques de componentes automotivos do Brasil para o mercado venezuelano.
Mesmo com a desvalorização do real nos últimos doze meses – o que, em tese, daria ao setor maior poder de fogo para brigar com a concorrência internacional -, as empresas seguem reclamando da falta de competitividade para disputar até mesmo mercados vizinhos na América do Sul com países asiáticos que contam com subsídios a exportações. Essa concorrência, dizem, se tornou ainda mais desequilibrada quando o governo brasileiro encerrou, na virada do ano, o regime de reintegração de tributos a exportadores, conhecido como Reintegra.
“Empresas que eram competitivas até dois anos atrás deixaram de ser”, diz Paulo Butori, presidente do Sindipeças, o sindicato que defende os interesses da indústria nacional de componentes automotivos.
Os números da balança comercial deste ano mostram que peças importadas da Coreia do Sul e da China, com altas de 4,5% e 7,1%, respectivamente, continuam ganhando espaço no mercado brasileiro, como resultado não apenas dos preços competitivos, mas também da maior produção de montadoras asiáticas, como a coreana Hyundai, no país. Ao mesmo tempo, o avanço no padrão tecnológico dos carros montados no Brasil tem levado montadoras a reforçar as compras no exterior de componentes não disponíveis localmente, principalmente os eletrônicos.
Na falta de um sistema para rastrear o que as montadoras compram, Butori diz que a indústria nacional de autopeças ainda não se beneficia do novo regime automotivo, que atrela descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ao uso de peças locais em carros produzidos no país.